PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
significativa do segmento feminino da imigração, profissionalmente activa<br />
e até, em alguns casos, caracterizada por movimentos migratórios autónomos<br />
e independentes dos maridos ou outros familiares, que só muito<br />
recentemente tem vindo a merecer especial atenção.<br />
De acordo com um estudo realizado na Suíça sobre a população imigrante,<br />
verifica-se, por exemplo, que mais de metade das mulheres de<br />
nacionalidade espanhola e italiana residentes nesse país imigraram sozinhas,<br />
enquanto solteiras, tendo, portanto, construído um projecto<br />
migratório individual no sentido de melhorar as suas condições de vida<br />
(Fibbi, Bolzman e Vial, 2001). No mesmo sentido, através de um inquérito<br />
nacional aos guineenses residentes em Portugal, levado a cabo em 1995,<br />
foram encontradas mulheres que imigraram solteiras e estabeleceram<br />
relações conjugais já em Portugal (Machado, 2002). Para além da<br />
migração feminina de carácter laboral, motivos de âmbito político<br />
também podem levar as mulheres a migrarem sozinhas. Algumas<br />
angolanas, moçambicanas e também guineenses podem enquadrar-se<br />
neste contexto, tal como sucedeu com Nafanta, uma entrevistada de<br />
42 anos de origem guineense, chegada a Portugal em 2000, que se viu<br />
forçada a partir na sequência de um período de fortes conflitos na Guiné,<br />
em que o marido havia perdido o passaporte.<br />
Sendo a migração um fenómeno de carácter selectivo, as estruturas<br />
familiares representam um dos factores que pode contribuir para as<br />
estratégias desenvolvidas pelas mulheres migrantes (Oso e Catarino,<br />
1997). Essas estratégias podem passar, na sociedade receptora, pelo<br />
casamento com homens autóctones com o intuito de elevar o seu estatuto<br />
social. No entanto, como veremos no capítulo 4, estas experiências<br />
apenas muito raramente acontecem entre as mulheres de origem<br />
muçulmana, dado que a escolha de um cônjuge de outra religião<br />
(e mesmo de outra origem étnica) não é social nem culturalmente aceite<br />
pela família, a qual constitui fonte de pressão e coesão social entre as<br />
jovens muçulmanas.<br />
A poligamia, por outro lado, quando constitui parte dessas estruturas<br />
familiares (como, por exemplo, entre alguns guineenses), pode contribuir<br />
para determinar a migração das mulheres. Este facto encontra-se visível,<br />
de resto, nas declarações de Nafanta, a única entrevistada guineense que<br />
migrou sozinha para Portugal. Embora a decisão de emigrar não tenha<br />
sido da própria, mas antes decorrido dos conflitos político-militares no<br />
país de origem, a sua estadia em Portugal há três anos leva-a a preferir<br />
a permanência no país de acolhimento, sem o cônjuge, o qual pratica a<br />
poligamia na Guiné. “O importante”, diz, “é conseguir trazer os filhos”.<br />
Maria Abranches<br />
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