PERTENÃAS FECHADAS EM ESPAÃOS ABERTOS - Acidi
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PERTENÇAS <strong>FECHADAS</strong> <strong>EM</strong> ESPAÇOS <strong>ABERTOS</strong> – Estratégias de (re)Construção Identitária de Mulheres Muçulmanas em Portugal<br />
Contudo, o facto de estas jovens se identificarem mais com a cultura da<br />
sociedade onde se inserem e de manifestarem, de uma forma geral,<br />
posições claras contra a subordinação da mulher ao homem, contra a<br />
poligamia ou contra outros factores de discriminação da mulher, leva-nos<br />
a questionar como se desenvolverão cenários futuros destas populações<br />
em Portugal. Poderá mesmo a escolha do cônjuge, elemento que permanece<br />
menos flexível, vir a tornar-se mais negociável e a dimensão<br />
familiar das sociabilidades vir a tornar-se mais aberta Esta é uma<br />
questão sobre a qual se torna mais difícil estabelecer uma previsão, na<br />
medida em que, embora algumas destas jovens tenham já passado por<br />
situações de namoro com rapazes de outras origens, reconhecem a<br />
importância de transmitir os valores do grupo aos seus próprios filhos, o<br />
que menos pacificamente acontecerá se o cônjuge não partilhar as<br />
mesmas referências culturais e religiosas. Para além disso, essa<br />
importância da transmissão de valores tradicionais aos filhos liga-se,<br />
uma vez mais, em parte, ao controlo familiar e social, sendo frequentemente<br />
invocado, pelas jovens entrevistadas, o peso do nome da família<br />
como motivo para que o casamento das suas filhas continue a ser circunscrito<br />
ao grupo étnico.<br />
Este controlo social, embora represente, por um lado, um obstáculo à<br />
individualização destas jovens, traduz-se, por outro lado, em formas de<br />
apoio e benefícios que elas não desejam perder. Como afirma Alejandro<br />
Portes, “os jovens que permanecem firmemente enraizados nas suas<br />
comunidades étnicas podem, por isso mesmo, ter melhores oportunidades<br />
de mobilidade educacional e económica, através do acesso aos<br />
recursos que as suas comunidades colocam à disposição dos seus membros”<br />
(Portes, 1999: 100). Foram referidos, aliás, pelas entrevistadas,<br />
tanto guineenses como indianas, exemplos de situações de amigas ou<br />
familiares cuja opção por um casamento fora do grupo criou tensões<br />
irreversíveis dentro da família e mesmo do grupo de pertença, tendo sido<br />
quebrado o apoio que este lhes proporcionava. O receio de correr este<br />
risco pode contribuir, assim, para que estas jovens optem por permanecer<br />
ligadas aos valores que contribuem para essa coesão. Faz sentido invocar<br />
aqui, para terminar, a ideia de Gilberto Velho, que associa a viabilidade de<br />
efectivação de um projecto individual às relações sociais e familiares e ao<br />
maior ou menor grau de abertura ou fechamento das redes sociais em<br />
que se inserem os indivíduos e as suas famílias, sendo por vezes difícil a<br />
resolução da permanente tensão entre aspirações individuais e o carácter<br />
englobador e incorporador da família (Velho, 1987).<br />
Na (re)construção identitária destas mulheres e jovens, o peso das suas<br />
pertenças é, portanto, marcante, caracterizando-se por um grau de<br />
Maria Abranches<br />
201