Erfolgreiche ePaper selbst erstellen
Machen Sie aus Ihren PDF Publikationen ein blätterbares Flipbook mit unserer einzigartigen Google optimierten e-Paper Software.
O fato é que a noção de língua materna carregou inicialmente conotação negativa,<br />
depreciativa, em oposição ao latim, como língua de cultura. O próprio Dante<br />
Alighieri, em seu De vulgari eloquentia, evita o emprego da expressão, preferindo o<br />
termo volgare (Volkssprache, língua popular), 13 ao qual atribui uma série de virtudes:<br />
“[...] sie ist die zuerst gebrauchte (prima usitata); sie wird von allen<br />
Menschen, der ganzen Welt angewendet (totus orbis perfruitur); und<br />
sie ist uns Menschen natürlich, während die sekundäre Sprache mehr<br />
als etwas Künstliches existiert (naturalis est nobis, potius artificialis<br />
existat)” (Ivo 1994, p. 71). 14<br />
Não se pode perder de vista que a obra de Dante está a serviço de um programa<br />
político-lingüístico, qual seja de elevar a língua “popular” italiana à condição de<br />
língua escrita, língua literária e língua comum. Quando Dante utiliza a expressão<br />
língua materna, remete a uma tradição que associava essa expressão com a fala dos<br />
iletrados e não-instruídos. Não obstante isso, porém, a língua materna tornou-se<br />
“pouco a pouco uma noção oficial, ou pelo menos admitida pelos poderes religiosos<br />
e políticos”, operando “enquanto mito” de uma língua natural, única, própria a<br />
um Estado, “a unidade significativa do território, conferindo-lhe um poder – mais<br />
nacional que lingüístico – de unidade de troca entre os falantes e de barreira<br />
simbólica das fronteiras” (Decrosse 1989, p. 21).<br />
A partir dessas constatações, compreende-se melhor por que os dicionários da<br />
língua portuguesa, em suas edições mais antigas, registram a denominação língua<br />
materna com o significado de “a [língua] do país natal [de alguém]”. 15 Essa significação<br />
reproduz, em certo sentido, o cunho político presente no mito da língua materna<br />
como língua “nacional”. Ela surge, até mesmo, no Dicionário Aurélio (1986), 16 até<br />
sua 2. ed., sendo corrigida na 3. ed., onde aparece com o significado de “E. Ling. A<br />
primeira língua que o indivíduo aprende, ger. ligada ao seu ambiente. Cf. língua nativa<br />
e língua primária”. 17 Esta definição coincide, aliás, pelo menos aparentemente, com a<br />
13. Cf. Ivo (1994, p. 73).<br />
14. Tradução: “[...] ela é a primeira língua usada [...]; ela é empregada por todos os seres<br />
humanos, do mundo inteiro [...]; ela é natural para nós, enquanto a língua secundária existe<br />
mais como algo artificial [...].<br />
15. Assim, p. ex., os dicionários de CALDAS AULETE, F. J. Diccionario contemporaneo da lingua<br />
portugueza. 2. ed. actualizada. Lisboa : Parceria Antonio Maria Pereira, 1925. 2 volumes; e<br />
NASCENTES, Antenor. Dicionário da língua portuguêsa. Rio de Janeiro : [Academia Brasileira de<br />
Letras], [1943]. 4 tomos.<br />
16. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda & J.E.M.M. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed.<br />
rev. e aum. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1986. 1838 p.<br />
17. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa.<br />
3. ed. totalmente rev. e ampl. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1999. 2128 p.<br />
147