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rar a segurança pesoal, e mortes serão daí decorrentes”. 44
Esta visão germanista foi eficientemente operacionalizada por meio de tecnologias
sociais como campanhas na imprensa teuto-brasileira, pronunciamentos
eclesiásticos, alegações de fraude, sectarismo, concubinato e incesto, revistas policiais,
aprisionamentos ilegais, confinamento clínico, assassinatos misteriosos. Em
verdade, os violentos eventos Mucker foram produzidos como sintomas traumáticos
45 . Disputas familiares e dependências subjetivas foram trazidas ao fórum público
e tiveram função decisiva na formação de alianças, desmembramentos e repetições
de papéis. Por meio dos eventos Mucker abriu-se um espaço no tecido social
para ajuste de contas pendentes, vinganças de abusos no passado, e para a cifragem
de novas auto-definições culturais em relação a vizinhos agora tidos como “sobrenaturais”.
Esses estranhamentos pessoais e sociais encontraram suporte nas emergentes
burocracias religiosas e legais. Foram combinados com injustas economias,
formalizando servidões imaginárias. Mucker tornou-se a condição detrimental e
determinante de ser de origem alemã naquela região Sul.
Em meio a relatos pastorais, governamentais e mediáticos do tempo Mucker é
todavia possível vislumbrar resíduos do senso comum e das formas de vida que os
colonos desenvolveram antes e durante a chegada dos que vieram a escrever a
história local como sendo “alemã”. Refiro-me a Spuren na língua colona (ecke
Deutsch, língua das macegas, que não cabe em dicionários e gramáticas de pátrias
inexistentes aqui): sentir algo estranho no próprio corpo, também pre-ver. Por meio
desses resíduos, percebemos sujeitos cortando-se fora de linguagens ilusórias, revelando
no seu lugar mentiras e injustiças e tentando levar o trabalho e a vida
adiante, do seu jeito, mas agora sem a legitimidade de sua própria ordem simbólica,
suplantada pelas idéias e práticas de um germanismo local.
Considere estas inscrições nas lápides do Cemitério Luterano da Linha Nova
Alta, referido no embate entre Koseritz e os pastores luteranos na época dos Mucker:
“Abandonado, descansa agora das tribulações e inquietações da vida, aqui
nesta casa temporária do cemitério”.
“Na minha lápide podereis ler que vos fui leal. Este foi o meu dever; não me
esqueçam”. “Leais e laboriosas foram suas mãos, caladas na passagem para uma
pátria melhor”.
44. Deutsche Zeitung, 10/12/1873.
45. Vide a discussão de Freud e Breuer sobre histeria e cura traumática, Studies on Hysteria
(New York, Basic Books, 1987) e o posterior retorno de Freud à questão do trauma à luz das
neuroses de guerra in Beyond the Pleasure Principle (New York, W. W. Norton, 1989). Sobre
“trauma” vide também J. Laplanche and J. B. Pontalis, The Language of Psycho-Analysis,
New York, W. W. Norton & Company, 1973, p. 465-473; e Roland Chemama, ed., Dicionário
de Psicanálise Larousse, Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.