Texto completo em PDF - Museu da Vida
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Apesar <strong>da</strong>s alterações que dev<strong>em</strong> ter ocorrido na entrevista de Veja, salientamos<br />
que houve a preocupação de se preservar nas falas do entrevistado algumas características<br />
compatíveis com sua condição sócio-cultural. Verificamos, por ex<strong>em</strong>plo, a manutenção de<br />
alguns termos regionais ou pronúncias considera<strong>da</strong>s "erra<strong>da</strong>s" pela norma culta. Quando<br />
usados, eram geralmente "traduzidos" entre parênteses ou salientados pelas aspas.<br />
Veja — O senhor já usou escova de dentes?<br />
Amaro — Não. Os meus dentes foram arrancados. Eu tenho chapa (dentadura)<br />
[...]<br />
Veja — E de qu<strong>em</strong> é a culpa?<br />
Amaro — É desse tal de "Coli" e dos usineiros.<br />
Veja — O senhor está falando de Fernando Collor?<br />
Amaro — Sim<br />
Veja — Conhece ele?<br />
Amaro — Eu sei que ele é usineiro. E do governo também.<br />
Veja — O senhor sabe qual. é a função que ele ocupa no governo?<br />
Amaro — Sei não.<br />
[...]<br />
Veja — O senhor já esteve <strong>em</strong> situação mais difícil do que agora?<br />
Amaro — Já passei mais aperto. Quando tava no Engenho Pedrosa, <strong>em</strong> Cortês, eu só tinha dinheiro para comprar uma<br />
quarta (250 gramas) de sardinha e meio quilo de farinha para passar três dias.<br />
[...]<br />
Veja — Que doenças o senhor t<strong>em</strong> medo de pegar?<br />
Amaro — Berculhoso (tuberculose) e an<strong>em</strong>ia no sangue.<br />
FONTE: Nanne (1991: 8-10)<br />
É curioso observar que o destaque <strong>da</strong>do aos termos "não cultos" é uma indicação de<br />
que os mesmos foram exceções durante a entrevista, mas, provavelmente, houve o <strong>em</strong>prego<br />
de muitas outras expressões regionais e pronúncias que fog<strong>em</strong> ao padrão "culto". Face a<br />
estas observações, afirmamos que a entrevista publica<strong>da</strong> na imprensa não é a transcrição <strong>da</strong><br />
entrevista oral, mas uma versão resultante do "tratamento" do texto falado.<br />
Com os trechos dessa entrevista, quis<strong>em</strong>os reforçar que há alterações inerentes à<br />
transformação <strong>da</strong> fala <strong>em</strong> escrita, mesmo quando se trata de gêneros textuais s<strong>em</strong>elhantes<br />
(no caso, entrevista-entrevista). É muito provável, portanto, que as citações diretas<br />
presentes nos textos noticiosos originados de entrevistas orais tenham passado por uma<br />
série de modificações. Diz<strong>em</strong>os isto porque, além <strong>da</strong> diferença de mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des, há também<br />
a variação de gêneros textuais. Como observa Marcuschi (1993:2): "A transformação de<br />
um gênero no mesmo gênero produz modificações menos drásticas que de um gênero a<br />
outro. Isto porque ca<strong>da</strong> gênero t<strong>em</strong> certas estruturas e marcas próprias". Como esperar,<br />
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