Oliveira, Paula Felipe Schlemper de - UFSC
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é uma luta pra eu estudar. Como ele tem aquele problema <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> que eu já contei pra prof., ele diz ‘agora, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
velha, vai estudar’, isso e aquilo, mas eu digo pra ele ‘eu<br />
agora não quero mais nem saber, eu agora não tenho mais<br />
em quem pensar mais, os filhos tão crescidos, antes era por<br />
causa dos filhos, agora você eu <strong>de</strong>ixo <strong>de</strong> lado, que se eu não<br />
for pensar em mim agora, daqui uns tempos eu vou ficar<br />
velhinha não fiz nada da minha vida, então, pelo menos<br />
assim, eu vou estudar’. Daí meu filho e minha filha me<br />
<strong>de</strong>ram força, daí eu falei ‘<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> vovó, eu vou estudar pra<br />
ter uma coisa pra contar pra neta <strong>de</strong>pois né’. Daí ela veio<br />
aqui comigo, a gente fez a matrícula. Ai, eu não via a hora<br />
<strong>de</strong> começar a estudar, não via... (E., entrevista realizada em<br />
12 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2011).<br />
A longa passagem da entrevista <strong>de</strong> E. é bastante ilustrativa da<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> retorno à escola, vonta<strong>de</strong> que perpassou a vida inteira da<br />
participante <strong>de</strong> pesquisa possivelmente como <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> uma<br />
representação favorável em relação à escolarização na infância e,<br />
também, por um movimento, por parte <strong>de</strong> E., <strong>de</strong> valoração da<br />
escolarização em si mesma (GRAFF, 1994). Vóvio (2010), nesse<br />
sentido, afirma que é histórica no Brasil a compreensão da alfabetização<br />
como um valor, superdimensionando-se o domínio da escrita em si<br />
mesmo, com assepsia da dimensão social <strong>de</strong> que se reveste; a<br />
importância da escrita e da imprensa na vida dos indivíduos e da<br />
socieda<strong>de</strong>; a exigência <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s com a escrita para inserção efetiva<br />
em contexto social; a atribuição à alfabetização e à escolarização <strong>de</strong><br />
caráter <strong>de</strong>limitador <strong>de</strong> civilização, o que encontra convergência nas<br />
contraposições <strong>de</strong> Street (1984) àquilo que esse autor nomeou como<br />
mo<strong>de</strong>lo autônomo <strong>de</strong> letramento. Não se trata, aqui, <strong>de</strong> colocar em<br />
xeque a importância da escolarização na vida humana; trata-se <strong>de</strong><br />
chamar atenção para a forma imanente e re<strong>de</strong>ntora como a escolarização<br />
historicamente tem sido vista em muitos entornos, especialmente<br />
naqueles <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social.<br />
É visível, tanto em (51) como em (52), a importância<br />
fundamental que os familiares <strong>de</strong> E. (filha e genro) tiveram nesse<br />
processo longo que se <strong>de</strong>u entre a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> retorno à escola, ainda na<br />
adolescência, e a concretização <strong>de</strong>la, aos cinquenta anos. Importa<br />
mencionar que tal importância tem natureza diferente da evi<strong>de</strong>nciada no<br />
testemunho <strong>de</strong> M.. Embora, nos dois casos, os familiares tenham<br />
importância fulcral na retomada do processo <strong>de</strong> escolarização; no caso<br />
<strong>de</strong> M., a interferência da filha, como discutimos anteriormente, tem