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"egoísmo" inerente à "luta" entre os produtores individuais, eliminando qualquer<br />
possibilidade de seleção natural.<br />
Além disso, em Darwin encontrava Marx argumentos para sustentar suas<br />
convicções tenebrosas a respeito da luta de classe, a qual, necessariamente, terminaria<br />
numa revolução sangrenta com o triunfo da classe mais capaz ou seja, do proletariado.<br />
Após essa vitória final, cessaria como por encanto todo conflito social e a história<br />
encontraria seu final glorioso...<br />
Em carta a Engels de 19 de dezembro de 1860, um ano depois da publicação de A<br />
origem das espécies, Marx informa a seu dileto amigo que, "durante meu tempo de<br />
provações, nas quatro últimas semanas, li toda espécie de coisas. Entre outras, o livro de<br />
Darwin sobre a seleção natural. Malgrado seu inglês pesado, esse livro contém o<br />
fundamento natural de nossa teoria.” O que Marx deseja aí salientar, sem se estender<br />
sobre as consequências últimas de sua afirmação, é que o "fundamento natural" do<br />
darwinismo seria a justificação do princípio que consta logo no início do Manifesto<br />
Comunista de 1848: "A história de toda sociedade até hoje existente é a história da lula de<br />
classes.” Dois pontos, nesse sentido, seriam essenciais na simpatia de Marx por Darwin:<br />
o de que o biólogo confirmava a sua tese geral do conflito polemos - como constituindo o<br />
princípio central da vida em sociedade; e o de que a teoria da evolução contribuía para<br />
derrubar o criacionismo cristão e toda espécie de fé religiosa. A visão é extremamente<br />
estreita. A comunidade filosófica entre ambos seria, unicamente, o materialismo ateu. A<br />
partir daí, tudo divergia entre as duas linhas de pensamento...<br />
Essas parcas citações em que se encontram referências a Darwin na<br />
correspondência de Marx parecem confirmar que o grande economista, "profeta" e<br />
pensador da "ciência" socialista muito pouco entendeu, em última análise, das<br />
implicações filosóficas do darwinismo. O mesmo iria acontecer com a maior parte dos<br />
discípulos de Marx. Estes só perceberam no darwinismo seu conteúdo revolucionário,<br />
como doutrina dirigida contra os preconceitos religiosos da burguesia conservadora<br />
vitoriana. Em fins do século, um criminologista italiano, E. Ferri, ao elogiar a teoria<br />
marxista do determinismo econômico, acentuaria que "o socialismo científico é<br />
simplesmente a aplicação lógica dos postulados de Darwin e de Spencer ao campo da<br />
economia política e da sociologia.” O mal-entendido é total, a ingenuidade da sancta<br />
simplicitas do mesmo modo.<br />
Marx apontou mais ainda para a dívida de Darwin em relação a Malthus. Mas<br />
Marx detestava Malthus. Negava-se teimosamente a reconhecer a correção da tese<br />
malthusiana de que existe e existirá sempre uma pressão inexorável da população, em<br />
determinado território, em relação ao espaço e aos recursos escassos. Marx não foi a<br />
ponto de associar a concepção de Malthus à de Darwin - o primeiro um pastor<br />
protestante e o segundo, filho de pastores -com o substrato religioso do pensamento de<br />
ambos. Mas podemos acentuar que tal dependência existe. O contraste filosófico entre<br />
Darwin e Marx se prende, assim, à postura existencial inconscientemente calvinista do<br />
primeiro, segundo a qual o mundo é um campo de prova ou de batalha em que a alma se<br />
tempera no sofrido exercício da virtude, ao passo que o segundo, sem o saber, mergulha<br />
as raízes de sua doutrina no apocaliptismo soteriológico e profético da tradição judeocristã.<br />
O mundo é efetivamente o cenário diabólico e perverso da luta e da injustiça. Mas<br />
ele, Marx, anuncia profeticamente o reino messiânico que vai transformar o mundo, com<br />
a supressão do conflito, da violência e da alienação...<br />
A ruptura entre ambos é intransponível. A tese de Darwin levaria aos extremos do<br />
darwinismo social e seria elaborada filosoficamente por Nietzsche, com sua visão<br />
alucinante do super-homem como telos glorioso da evolução; a tese de Hegel e Marx<br />
terminaria no postulado totalitário de uma sociedade coletivizada, estagnada,<br />
esclerosada, empedernida, sem perspectivas de transformação. Hoje, com o liberalismo,<br />
triunfa Darwin, enquanto o cadáver de Marx, de fedor já insuportável, é finalmente<br />
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