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imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

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2.5 Semiologia, tradução e interpretação musical 29<br />

113<br />

Nattiez consi<strong>de</strong>ra-se trans-estruturalista, numa passagem do estruturalismo para<br />

uma forma <strong>de</strong> pensamento que, ao invés <strong>de</strong> negá-lo, o integra e ultrapassa. Dessa forma,<br />

leva em consi<strong>de</strong>ração categorias <strong>de</strong>sprezadas pelos estruturalistas, como o fator tempo, os<br />

processos poiéticos e estésicos, os contextos sociais, culturais e históricos e a dimensão<br />

semântica da música. O autor posiciona-se também como além do pós-mo<strong>de</strong>rnismo, <strong>de</strong><br />

orientação “relativista” (2005, p.44), que teria, em sua opinião, colocado toda a ênfase no<br />

polo estésico, naquilo que a obra significa para o leitor. O que Nattiez parece<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar, entretanto, é, em nossa opinião, o gran<strong>de</strong> legado pós-mo<strong>de</strong>rno: o<br />

entendimento <strong>de</strong> que a linguagem tem também a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar por si, na medida em<br />

que é falada. São os fenômenos contingenciais que cercam a criação artística, fenômenos<br />

estes levados em conta pelos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>sconstrutivistas <strong>de</strong> interpretação. Apesar <strong>de</strong><br />

ampliar consi<strong>de</strong>ravelmente o universo <strong>de</strong> variáveis a serem consi<strong>de</strong>radas para análise e<br />

29 Ao lidarmos com a interpretação das <strong>canções</strong> <strong>de</strong> Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z, consi<strong>de</strong>rando não ape<strong>nas</strong> a<br />

interpretação musical como tradução dos signos <strong>de</strong> uma partitura em linguagem sonora, mas também a<br />

ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verbalizar por escrito suas ocorrências e implicações, cabe aqui um paralelo entre a ativida<strong>de</strong><br />

hermenêutica, por nós tomada <strong>de</strong> forma abrangente como interpretação do sentido <strong>de</strong> textos, e a semiologia.<br />

Antes <strong>de</strong> tudo, torna-se necessário explicar que o termo hermenêutica assume sentidos diversos que variam<br />

conforme as épocas. Nattiez, em um <strong>de</strong> seus ensaios <strong>de</strong> semiologia aplicada inserido no livro O combate<br />

entre Cronos e Orfeu (2005), aponta diversos momentos da ativida<strong>de</strong> hermenêutica, a saber:<br />

- a ars critica, entre os séculos XVI e XVIII, que fundamenta na crítica histórica e na crítica <strong>de</strong> textos a<br />

interpretação dos textos da antiguida<strong>de</strong> clássica e da Bíblia;<br />

- o programa histórico filológico do século XIX que especifica o sentido <strong>de</strong> um texto ao colocá-lo em relação<br />

com as significações, as remissões, as instituições, os costumes, as fontes, os temas e os gêneros, os quais<br />

permitem avaliar o valor e alcance das palavras <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto cultural e histórico diverso do nosso;<br />

- a hermenêutica <strong>de</strong> Schleiermacher (1768-1834) que justapõe a crítica filológica dos textos à sua<br />

interpretação, baseando-se na vida e no pensamento do autor;<br />

- a hermenêutica <strong>de</strong> Dilthey (1833-1911) que relaciona a interpretação dos textos e das obras huma<strong>nas</strong> à<br />

singularida<strong>de</strong> das culturas e à vida psíquica dos indivíduos;<br />

- a hermenêutica filosófica <strong>de</strong> Gadamer (1960), uma extensão do pensamento <strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger, que enfatiza a<br />

historicida<strong>de</strong> da interpretação;<br />

- a hermenêutica <strong>de</strong> Derrida, na qual as significações <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m sempre dos contextos e são, por conseguinte,<br />

submetidas a uma perpétua différance, privilegiando o polo estésico.<br />

Observa-se que a empreitada semiológica tripartite engloba uma parte dos domínios que as hermenêuticas<br />

tentam explicar. Nattiez dá ao termo hermenêutica o sentido mais amplo possível a fim <strong>de</strong> torná-lo<br />

compatível com seu uso histórico: “a ativida<strong>de</strong> hermenêutica consiste em esmiuçar e elucidar o emaranhado<br />

infinito das significações que se instauram, para alguém, entre um objeto ou uma ação qualquer e um<br />

horizonte” (2005, p.46). Vê-se que tanto a semiologia quanto a hermenêutica têm o mesmo fundamento<br />

semiológico. Estas duas ativida<strong>de</strong>s do conhecimento humano compartilham o fato <strong>de</strong> ambas tratarem do<br />

domínio das significações. Para Nattiez, é inútil, em musicologia, transformar a questão das relações entre a<br />

semiologia e a hermenêutica em um problema <strong>de</strong> distinção e <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> subdiscipli<strong>nas</strong>. Esta é, para o<br />

autor, uma questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m epistemológica: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se consi<strong>de</strong>re válido que o objetivo é explicar os<br />

interpretantes ligados aos signos musicais, a questão seria estabelecer os melhores métodos para explicar a<br />

semiose musical e o estatuto epistemológico <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>stes métodos. Se há, para Nattiez, uma diferença<br />

importante entre a semiologia e a hermenêutica, ela está na <strong>de</strong>terminação do nível <strong>de</strong> pertinência da exegese<br />

que a teoria da tripartição obriga a precisar (Cf. Nattiez, 2005, p.44-48).

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