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imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

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edonda, bela e sem arestas <strong>de</strong> cantar característica do bel canto. Algumas vezes, meu som<br />

tornou-se áspero, agressivo, <strong>de</strong>sconfortável mesmo, para exprimir a tensão e a dor<br />

estampadas <strong>nas</strong> <strong>canções</strong>. Alguns timbres mais ruidosos aliados a uma articulação mais<br />

incisiva foram necessários para valorizar palavras pungentes <strong>de</strong> dor em A sauda<strong>de</strong>, o<br />

chamado pela estrela d’alva na Canção do mar ou as manifestações dilaceradas da senhora<br />

do engenho. Já na canção Toada p’ra você, minha impostação vocal tornou-se mais clara,<br />

mais aberta, como a alegria estampada <strong>de</strong> Rosa, ape<strong>nas</strong> fechando um pouco o timbre na<br />

finalização da canção. Na colocação vocal resultante, nem tanto à maneira dos cantores do<br />

rádio <strong>de</strong> 1928, data da canção, nem tão redonda e escura como costuma ser usual na<br />

técnica clássica italiana, encontro uma reverberação das <strong>canções</strong> populares <strong>de</strong> hoje que<br />

tanto me atraem. Em Tapera, a contradição da paisagem exigiu um som mais incisivo e<br />

claro na primeira parte, e <strong>de</strong>pois um legato nostálgico na segunda parte, mais homogêneo,<br />

<strong>de</strong> forma quase a anular as cores da paisagem, anular o tempo presente do agora do poema<br />

e transportar o ouvinte para um tempo imemorial. Em Vesperal, pianíssimos e ausência <strong>de</strong><br />

vibrato na busca por sopros quase impalpáveis <strong>de</strong> som.<br />

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Instigante foi a representação dos personagens ambíguos na Berceuse da onda<br />

e em Essa negra Fulô. Nesta última, coloquei a senhora do engenho como o foco da<br />

atenção, como num quadro expressionista <strong>de</strong> faces <strong>de</strong>formadas. Trouxe para a personagem<br />

as falas do narrador por meio da manutenção do mesmo timbre vocal, tendo em vista um<br />

crescendo ininterrupto da ação dramática da senhora. A rítmica do acompanhamento e o<br />

ritmo da linha vocal foram para mim elementos <strong>de</strong>sconcertantes, dilatados ainda mais<br />

<strong>de</strong>vido à escolha tímbrica realizada por Guida Borghoff – surda, incisiva, forte, agressiva –<br />

e que a todo o momento me remetiam à presença da escrava. Em performances públicas,<br />

vivi a contradição <strong>de</strong> senti-los, não ape<strong>nas</strong> como uma presença externa, mas como uma<br />

reverberação <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim, parte <strong>de</strong> minha própria fala, fazendo-me unir à outra<br />

personagem, sem que pu<strong>de</strong>sse, entretanto, <strong>de</strong>ixar que isso transparecesse em meus gestos e<br />

em meus movimentos corporais, o que, para mim, comprometeria a caracterização da<br />

senhora. Como é difícil se opor ao movimento dinamogênico <strong>de</strong> um batuque! Assim,<br />

busquei, em algum lugar da minha memória que nem eu mesma consigo precisar, as<br />

<strong>imagens</strong> mais profundas <strong>de</strong> ódio e <strong>de</strong> frustração, pertencentes à minha vida e às vidas <strong>de</strong><br />

outras tantas pessoas conhecidas ou imaginadas. Aqui a dança não me era permitida,<br />

entretanto, a sensação <strong>de</strong> <strong>de</strong>lírio, <strong>de</strong> transe, vai tomando conta <strong>de</strong> uma forma tão po<strong>de</strong>rosa<br />

que, por pouco, o controle é possível, e a nossa tendência é a <strong>de</strong> sair para fora <strong>de</strong> nós

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