07.04.2013 Views

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

151<br />

É interessante observar como Cecília Meireles, por meio do percurso das<br />

palavras, num jogo <strong>de</strong> recorrências e reiterações, vai pouco a pouco construindo a cena<br />

para essa pequena história, moldando um espaço <strong>de</strong> ação sensorial – visual, sonoro, tátil,<br />

espacial – no qual interagem os personagens do seu poema. Períodos longos, reticências, o<br />

paralelismo das construções sintáticas, anáforas (reiteração <strong>de</strong> vais e meu amor),<br />

sinédoques com a utilização <strong>de</strong> substantivos concretos relacionados ao mar – conchinhas,<br />

espuma, peixinhos, estrelas-do-mar – vão reiterando e ampliando a presença do mar.<br />

Também as rimas intensificam a presença e a percepção sonora do mar, primeiro ecoando<br />

e ampliando a sonorida<strong>de</strong> da palavra mar e <strong>de</strong>pois relacionando fonicamente palavras<br />

como colar, ganhar, brincar e ver, remetendo a um aspecto lúdico do mar.<br />

O paralelismo das construções sintáticas – vais ganhar, vais <strong>de</strong>scer, vais ver –<br />

sugere um percurso da superfície ao fundo do mar. A imagem é muito visual: colar,<br />

conchinhas, luar, espuma são vistos na superfície; na <strong>de</strong>scida para o fundo, peixinhos,<br />

flores e estrelas-do-mar; <strong>nas</strong> profun<strong>de</strong>zas, Iemanjá, ou, como quer a poeta, Iamanjar,<br />

construção metonímica que por si já amplia a imagem do mar.<br />

Lúdica e <strong>de</strong>licada, a onda embala a criança com a promessa <strong>de</strong> muitos<br />

presentes – o presente maior: estar na presença <strong>de</strong> Iemanjá. Impossível aqui não fazer um<br />

paralelo com o poema O rei dos elfos <strong>de</strong> Goethe, musicado por Schubert. Neste poema, a<br />

entida<strong>de</strong> sussurra alegre e insinuante suas promessas <strong>de</strong> presentes e brinca<strong>de</strong>iras para um<br />

menino nos braços <strong>de</strong> seu pai em <strong>de</strong>sabalada cavalgada pela noite, até que violentamente o<br />

toma para si. Muito mais sutil e terno, entretanto, <strong>de</strong>licado, líquido, sensual mesmo na<br />

repetição hipnótica <strong>de</strong> meu amor, meu amor, é o poema <strong>de</strong> Cecília Meireles.<br />

O movimento do poema é também o movimento <strong>de</strong> uma canção <strong>de</strong> ninar. Uma<br />

canção <strong>de</strong> ninar não é jamais inócua, não é jamais ape<strong>nas</strong> bela, não é jamais ape<strong>nas</strong> terna.<br />

Tampouco exprime somente a alegria daquele que embala. Momento <strong>de</strong> incerteza diante<br />

do porvir, da pequenina incógnita, uma canção <strong>de</strong> ninar é campo cambiante, instante frágil<br />

entre a dor e a alegria. A onda, como uma dama <strong>de</strong> companhia, prepara o menino para<br />

<strong>de</strong>scer até o fundo, <strong>de</strong>scer até Iemanjá, com sua fala hipnótica cheia <strong>de</strong> diminutivos, com<br />

suas promessas, com a canção que embala para o <strong>de</strong>sconhecido. Sua linguagem na segunda<br />

pessoa do singular e os verbos no futuro do presente - vais ganhar/ <strong>de</strong>scer/ brincar/ver -<br />

parecem promover um distanciamento entre a onda e a criança, entre o texto e o presente,<br />

lançando a narrativa para algum ponto intangível no futuro. Mas Iemanjá é, ao mesmo

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!