07.04.2013 Views

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

tensão dialética entre estaticida<strong>de</strong> e movimento, e pelo jogo <strong>de</strong> dinâmica e cores, que<br />

conferem gran<strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão às frases melódicas e gran<strong>de</strong> dramaticida<strong>de</strong> às<br />

palavras do poema. O longo gesto <strong>de</strong> tensão e resolução que se percebe durante a canção<br />

nos remete à i<strong>de</strong>ia poética da transformação. A finalização da canção traduz a calma e o<br />

consolo advindos do sofrimento que, se não supre a ausência, se não aplaca a dor, pelo<br />

menos a transforma, ameniza, conferindo-lhe clarida<strong>de</strong> e beleza.<br />

143<br />

Em A sauda<strong>de</strong>, uma <strong>de</strong> suas primeiras <strong>canções</strong> para canto e piano, o que<br />

Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z fez com as <strong>imagens</strong> do céu? O que fez com a noite escura, com a noite<br />

<strong>de</strong> luar? Deu-lhes vida, <strong>de</strong>u-lhes presença, submeteu-as a relações, <strong>de</strong>u-lhes mobilida<strong>de</strong> e<br />

ponto <strong>de</strong> vista.<br />

A imagem do céu possui <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre valor simbólico intenso. Primeira tela<br />

que se ofereceu aos olhos dos homens, o céu estrelado foi um dos primeiros mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />

escrita em tradições arcaicas. 38 Ler o céu é como <strong>de</strong>cifrar um texto. Escrever po<strong>de</strong> ser a<br />

tarefa <strong>de</strong> transformar os enigmas do céu em poesia. Diante <strong>de</strong>ssas <strong>imagens</strong>, cabe a quem vê<br />

ou imagina fazer analogias com suas próprias paisagens interiores. A imaginação se liberta<br />

e o processo <strong>de</strong> significação liga essas paisagens com sentimentos experimentados, num<br />

processo <strong>de</strong> semiose em ca<strong>de</strong>ias.<br />

A associação <strong>de</strong> <strong>imagens</strong> é um dos elementos mais característicos da poesia.<br />

Na canção, também entendida como forma poética, as associações das <strong>imagens</strong> notur<strong>nas</strong><br />

com os estados interiores do “eu poético” nos remetem às associações dinâmicas <strong>de</strong> vários<br />

eventos temporais realizados pela memória. Estas associações, por sua vez, permitem uma<br />

gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sentido. Na canção A sauda<strong>de</strong>, a narrativa poética se<br />

apropria dos momentos subjetivos do ser humano com suas <strong>imagens</strong> <strong>de</strong> dor, <strong>de</strong> morte, <strong>de</strong><br />

transfiguração, <strong>de</strong> luz e sombra, <strong>de</strong> pranto e <strong>de</strong> consolo.<br />

Esta canção magistral, breve, bela, estranha e misteriosa é um pequeno recorte,<br />

uma pequenina peça <strong>de</strong> mosaico no cancioneiro <strong>de</strong> Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z e no panorama<br />

literário musical brasileiro. Ela nos mostra uma face <strong>de</strong> brasilida<strong>de</strong>, escura, ambígua,<br />

rasgada <strong>de</strong> lampejos vívidos.<br />

Com o exemplo da canção A sauda<strong>de</strong>, vimos que a canção, por meio <strong>de</strong> seus<br />

elementos literários e musicais, po<strong>de</strong> construir <strong>imagens</strong> <strong>de</strong> características sensoriais<br />

diversas que se traduzem em tempo e espaço, movimento, sentimentos, luzes e cores. Ao<br />

38 Constatação <strong>de</strong> Anne-Marie Christin (2004, p. 291), a partir <strong>de</strong> citação <strong>de</strong> François Jullien, In: À l’origine<br />

<strong>de</strong> la notion chinoise <strong>de</strong> littérature: Extreme-Orient-Extrême-Occi<strong>de</strong>nt 3, 1983, p.48.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!