07.04.2013 Views

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

mesmos. A sensação <strong>de</strong> estar no controle, consciente dos subtextos e ações físicas da<br />

personagem e ainda, consciente do ritmo, da letra e da melodia notados na partitura, soma-<br />

se, <strong>nas</strong> ocasiões <strong>de</strong> performance, a um momento especial <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong> meus<br />

sentimentos mais íntimos, que mesmo pensados a priori e calculados, tomam proporções<br />

diferenciadas, transportando-me para universos ainda não pensados. Posso dizer que o<br />

acervo <strong>de</strong> um ator, o meu acervo, está lá para construir minhas paisagens e personagens.<br />

Trabalhando com o que tenho, evocando, percebendo, revelo parte <strong>de</strong> mim. Não há como<br />

escon<strong>de</strong>r. Como cantora e atriz torno-me um ser transparente. Um vidro cheio <strong>de</strong> sangue.<br />

253<br />

A Berceuse da onda é para mim uma das obras primas <strong>de</strong> Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z,<br />

tal o grau <strong>de</strong> sofisticação <strong>de</strong> sua escrita, sua criativida<strong>de</strong> melódica e, principalmente, sua<br />

agu<strong>de</strong>za no trato com os personagens. Assim, não escolhi um personagem, mas procurei<br />

representar a voz <strong>de</strong> todos. Tornei-me lugar <strong>de</strong> construção do outro e <strong>de</strong> seu espaço. Por<br />

meio do timbre e das dinâmicas, procurei criar as sensações diferenciadas do espaço<br />

cênico. Busquei uma textura <strong>de</strong>licada para a voz da onda, mas que já trouxesse, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

início, um germe <strong>de</strong> contradição, um algo <strong>de</strong> malda<strong>de</strong>. Assim foi possível ampliar a<br />

dinâmica e escurecer o timbre <strong>nas</strong> passagens que conduziam a criança para o fundo do mar,<br />

criando uma cor mais sinistra na entonação <strong>de</strong> meu amor, meu amor. Na primeira aparição<br />

do vocalise <strong>de</strong> Iemanjá procurei um timbre claro e distante, ressaltando sua sinuosida<strong>de</strong> por<br />

meio <strong>de</strong> um som cristalino e com pouco vibrato. O momento mais dramático, no qual o<br />

nome <strong>de</strong> Iemanjá é pronunciado, é muito mais para mim do que a voz da onda referindo-se<br />

à divinda<strong>de</strong>. É também mais do que uma invocação. É praticamente uma personificação da<br />

personagem, com toda a sua presença majestosa, com toda a sua aura protetora, com toda a<br />

cruelda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sereia que atrai e mata. O momento é <strong>de</strong> uma força incalculável que procuro<br />

traduzir em um som po<strong>de</strong>roso, forte, sustentado, maciço. No piano, o som <strong>de</strong> Guida<br />

Borghoff, que a princípio era <strong>de</strong> uma clareza e <strong>de</strong> uma transparência incalculáveis, torna-se<br />

também forte, <strong>de</strong>nso, amplo e vivamente articulado. E o triunfal vocalise ao final resultou<br />

numa voz mais cheia, ampla e aberta, <strong>imagens</strong> <strong>de</strong> júbilo do personagem que <strong>de</strong>pois vai<br />

sumindo aos poucos. Representar Iemanjá implicou num esforço <strong>de</strong> minha parte para<br />

justapor <strong>imagens</strong> distintas das três personagens - divinda<strong>de</strong> africana, mãe d’água e sereia -<br />

para uni-las em uma só. Como três pranchas coloridas <strong>de</strong> vidro justapostas que resultam<br />

em uma só cor. E assim moldar a imagem po<strong>de</strong>rosa e enigmática da personagem.<br />

Muito mais po<strong>de</strong>ríamos falar sobre nossas <strong>de</strong>cisões interpretativas a respeito<br />

das <strong>canções</strong> <strong>de</strong> Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z. E se tivemos i<strong>de</strong>ias a priori, baseadas em nosso estudo

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!