07.04.2013 Views

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

174<br />

Já dissemos que o poema <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>ira nos permite vislumbres <strong>de</strong> um ponto<br />

ritual, no qual a rainha do mar é invocada. O paralelo da estrela d’alva com Iemanjá nos<br />

conduz a uma calma aceitação da divinda<strong>de</strong> africana, ao mesmo tempo em que nos leva a<br />

um distanciamento, pois o encontro com a estrela ou com a rainha do mar só é possível em<br />

outro plano da existência. É um vislumbre <strong>de</strong> esperança <strong>de</strong>sesperançada. Só se alcança<br />

com a morte (assim também na Berceuse da onda). Voltando à Canção do mar, não<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar que a sonorida<strong>de</strong> sincopada em ostinato, surda e misteriosa,<br />

percutida na região grave do piano nos remeta a atabaques. A canção cria uma imagem<br />

sonora do próprio mar, intimamente ligada à ambiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentimentos ou situações<br />

vivenciadas pelo poeta, mas é possível que Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z tenha também construído<br />

um ponto ritual, no qual as <strong>imagens</strong> do mar se justapõem a uma cena <strong>de</strong> invocação ritual<br />

afro-brasileira. No poema <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>ira, Iemanjá ainda não é orixá. É estrela, é moça bonita.<br />

Em Lorenzo, ela se veste com sua natureza divina. Lorenzo recupera em Iemanjá sua<br />

natureza divina <strong>de</strong> Senhora da criação.<br />

Na cena <strong>de</strong>ssa canção, o sujeito calmamente integrado ao ritual afro-brasileiro<br />

do poema <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>sponta dramático e incerto, numa percepção paralela, individual e<br />

distinta. E então nos perguntamos: o poema <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>ira e a canção <strong>de</strong> Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z<br />

se contradizem? Se complementam? Convivem em atrito? Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z, longe <strong>de</strong><br />

construir uma imagem especular do poema, cria <strong>imagens</strong> nessa canção que metaforizam o<br />

estranhamento, transformando lentidão, melancolia e aceitação em <strong>imagens</strong> dramáticas,<br />

incertas, misteriosas, instáveis, ambíguas e conflituosas.<br />

Os germes da contradição <strong>nas</strong> <strong>canções</strong> que abordam elementos das culturas<br />

africa<strong>nas</strong> e indíge<strong>nas</strong> já estão presentes nos poemas <strong>de</strong> Cecília Meireles ou Manuel<br />

Ban<strong>de</strong>ira, algo adormecidos talvez, sutis, mas suficientes para que venham à tona em<br />

<strong>imagens</strong> fortes e expressivas <strong>nas</strong> <strong>canções</strong> <strong>de</strong> Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z. Na Canção do mar e na<br />

Berceuse da onda que leva o pequenino náufrago, o mar, mais do que espaço cênico para<br />

personagens como Iemanjá, a onda, a criança, a estrela ou o próprio “eu lírico”, é reflexo<br />

<strong>de</strong> sentimentos ambíguos, ternos, instáveis, violentos mesmo, doloridos, misteriosos.<br />

Essas <strong>canções</strong> criam <strong>imagens</strong> brasileiras, na medida em que dialogam com o<br />

Brasil vivenciado pelo compositor, um Brasil que enfrentava a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, ao mesmo<br />

tempo em que se pretendia unido em sua diversida<strong>de</strong>. Uma polifonia <strong>de</strong> vozes, negras,<br />

indíge<strong>nas</strong>, europeias, vozes brasileiras afinal, <strong>de</strong>scobrindo-se num país ainda <strong>de</strong>sconhecido<br />

e misterioso, convivem <strong>de</strong> maneira instável e contraditória no movimento intertextual da

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!