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imagens de brasilidade nas canções de câmara de lorenzo fernandez

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embaralhamento das vozes. Esse embaralhamento é sentido na parte musical pelo contínuo<br />

<strong>de</strong> cor, <strong>de</strong> tensão harmônica, e pelo ostinato rítmico que perpassa a obra. A voz narrativa,<br />

sendo conduzida <strong>de</strong>sta forma na canção, causa esse mesmo efeito <strong>de</strong> embaralhamento no<br />

intérprete, tornando mais complexa a performance, na medida em que o modo <strong>de</strong> narrar<br />

força o apagamento ou o cancelamento da distância entre o narrador e a senhora, e exige<br />

uma postura do intérprete que, englobando os personagens, <strong>de</strong> certo modo <strong>de</strong>ve simular a<br />

narração em forma <strong>de</strong> discurso indireto livre. O personagem do monólogo também <strong>de</strong>ve<br />

retratar, pelo ritmo, a personagem representada pelo estrato do piano. Entretanto, o ritmo<br />

dinamogênico conferido pelos acor<strong>de</strong>s percutidos, se é sentido visceralmente pelo<br />

intérprete, não é permitido que se manifeste no corpo da senhora que sucumbe. Ora, seria<br />

possível a senhora da fazenda se expressar no ritmo dos escravos? É aí nessa contradição<br />

que a canção testa um intérprete, que lida, concomitantemente, com a dor da senhora e a<br />

tensão rítmica dos atabaques que presentificam a escrava.<br />

197<br />

Senhora e escrava são representadas pelo compositor, cada qual em um estrato<br />

musical diferente e, <strong>de</strong> certa forma, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, mas que interferem um no outro. Mais<br />

interessante é como se dá a interferência do estrato da linha do piano, mais material, na<br />

linha da voz, mais discursiva, e vice-versa. Funcionando como massa sonora <strong>de</strong> efeito<br />

tímbrico, remetendo a tambores, a harmonia dissonante do estrato do piano mascara as<br />

funções da harmonia e distorce as tonalida<strong>de</strong>s dadas pela linha da voz e pelo baixo, ou seja,<br />

o estrato que representa a negra distorce o estrato que representa a senhora. Este último,<br />

por sua vez, imprime no primeiro a força das funções harmônicas. O ininterrupto contínuo<br />

<strong>de</strong> tensão se acumula ao longo da canção e jamais se resolve, como num <strong>de</strong>lírio. A canção<br />

retrata a senhora da fazenda como uma personagem dilacerada pela dor, furiosa, dramática,<br />

distorcida, <strong>de</strong>lirante, e a negra como um organismo pulsante <strong>de</strong> extrema tensão.<br />

Os dois personagens, escrava e senhora, se apresentam em estratos musicais<br />

diferenciados. Mas, se um estrato distorce o outro, as duas mulheres se unificam no mesmo<br />

ritmo que integra linha vocal e acompanhamento da parte do piano. O estrato musical da<br />

senhora, cuja tensão se manifesta em suas linhas angulosas, seus saltos vertiginosos, suas<br />

notas agudas histéricas, dilaceradas, se fun<strong>de</strong> ao estrato da linha do piano, aos sons surdos<br />

dos atabaques, à tensão harmônica, num crescendo que toma formas <strong>de</strong> um transe.<br />

Mais do que representação <strong>de</strong> personagens, essa canção torna-se uma<br />

representação dramática <strong>de</strong> tensões. Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z, ao traduzir o poema <strong>de</strong> Jorge <strong>de</strong><br />

Lima em música, não ironiza a dor, nem da escrava nem <strong>de</strong> sua senhora, nem tampouco

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