DA EVISTA CADEMIA INEIRA ETRAS - Academia Mineira de Letras
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128 _______________________________________________ R<strong>EVISTA</strong> <strong>DA</strong> A<strong>CADEMIA</strong> M<strong>INEIRA</strong> DE L<strong>ETRAS</strong><br />
inteiramente inventada. Sua esposa é vivida por uma mulher que ele mal<br />
conhecia na vida real e os filhos mostrados nunca foram seus. Ou seja,<br />
Flaherty recria em imagens uma família semelhante às muitas famílias<br />
esquimós que conheceu, um levantamento bastante verda<strong>de</strong>iro daquele<br />
mundo, elaborado a partir <strong>de</strong> premissas falsas. Vendo o filme hoje em<br />
dia, é espantoso perceber o quanto ele nos impressiona por sua<br />
“veracida<strong>de</strong>”.<br />
Se já não sabia na prática, Flaherty apren<strong>de</strong>u, ao fazer suas<br />
primeiras imagens, o quanto o cinema é fabricado. Nada mais equivocado<br />
que a célebre “objetivida<strong>de</strong>”, no que toca à criação artística. Isso não<br />
existe, <strong>de</strong>finitivamente. Ao selecionar um tema, o cineasta, por <strong>de</strong>finição,<br />
já está interferindo na realida<strong>de</strong> à sua frente. Po<strong>de</strong> ele, no máximo,<br />
apresentar “sua visão” <strong>de</strong>ssa mesma realida<strong>de</strong>, necessariamente diferente<br />
da <strong>de</strong> um colega que <strong>de</strong>cida <strong>de</strong>screver o mesmo mundo. Como ponto <strong>de</strong><br />
partida, está a famosa “bagagem cultural”, que cada um <strong>de</strong> nós possui,<br />
diferenciada da <strong>de</strong> qualquer outro ser humano. Se sou um antropólogo,<br />
minha visão da vida esquimó se focará a partir <strong>de</strong>ssa premissa; um<br />
sociólogo ou um missionário terão enfoques diferentes do meu.<br />
Do mesmo modo, a linguagem da forma <strong>de</strong> expressão por mim<br />
escolhida ditará minha maneira <strong>de</strong> narrar. A baixa sensibilida<strong>de</strong> da<br />
película obrigará a uma reconstrução do iglu em proporções inexistentes<br />
na prática e à maneira <strong>de</strong> um cenário <strong>de</strong> papelão. A quantida<strong>de</strong> limitada<br />
<strong>de</strong> filme virgem que cabe em um magazine <strong>de</strong> câmera <strong>de</strong>ixará claro que<br />
planos-sequência não serão possíveis – ou, então, serão muito<br />
poucos. Se tiver à minha disposição uma grua, po<strong>de</strong>rei fazer planos com<br />
a câmera a gran<strong>de</strong>s alturas; mas, se como é mais provável, eu não<br />
dispuser <strong>de</strong> um equipamento caro e <strong>de</strong> difícil transporte como esse, o<br />
jeito será filmar com a câmera à altura do olhar humano.<br />
Também na maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a vida cotidiana dos meus<br />
personagens estarei interferindo na realida<strong>de</strong>. Por que filmes raramente<br />
mostram personagens no banheiro, fumando um cigarro em frente à<br />
lareira ou lavando roupa no tanque? São os chamados “tempos mortos”,<br />
nos quais muito pouco ou quase nada acontece, provocando<br />
consequentemente o tédio nos espectadores. Mas tais tempos mortos não<br />
Revista Volume LI.p65 128<br />
12/5/2009, 15:29