DA EVISTA CADEMIA INEIRA ETRAS - Academia Mineira de Letras
DA EVISTA CADEMIA INEIRA ETRAS - Academia Mineira de Letras
DA EVISTA CADEMIA INEIRA ETRAS - Academia Mineira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
246 _______________________________________________ R<strong>EVISTA</strong> <strong>DA</strong> A<strong>CADEMIA</strong> M<strong>INEIRA</strong> DE L<strong>ETRAS</strong><br />
E ele ficava com remorso com tamanha atenção da esposa.<br />
Mesmo assim, continuava sua aula:<br />
– Imagina você, minha querida Marta, que eles também oferecem<br />
as esposas para os visitantes? E se eles não aceitam, os esquimós ficam<br />
ofendidos?<br />
Marta quase disse “on<strong>de</strong> já se viu?”, mas não disse nada. Apenas<br />
abaixou a cabeça, constrangida, e pregou mais um botão.<br />
Num dia quente <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, às vésperas do Natal, em que a<br />
umida<strong>de</strong> relativa do ar dava para respirar um bom ar, ele fez um presépio,<br />
para nenhum filho ver, nenhum neto apreciar, muito menos para Rodolfo<br />
pôr <strong>de</strong>feito, porque nessa hora estava estalando champagne em um<br />
Cruzeiro no Caribe. Confortável na “ca<strong>de</strong>ira do papai”, apreciando sua<br />
obra e ouvindo Let it be dos Beatles, morreu.<br />
Morreu <strong>de</strong> uma morte confortável, apreciando um presépio, que ele<br />
fazia questão <strong>de</strong> confeccionar todo santo ano. Sem Jesus na manjedoura.<br />
Morte chocha, sem qualquer aci<strong>de</strong>nte fantástico que mobilizasse a<br />
população e sem notícia no jornal. Nunca seu nome aparecera uma única<br />
vez num jornal, nem no rodapé. Rodolfo se redimiu perante o irmão e, na<br />
missa <strong>de</strong> sétimo dia, colocou o nome <strong>de</strong>le no jornal: “A família <strong>de</strong><br />
Lindolfo dos Santos Cruz convida para a missa <strong>de</strong> ressurreição, na igreja<br />
<strong>de</strong> Santa Rita <strong>de</strong> Cássia, às vinte e uma horas do dia 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro.<br />
Antecipa agra<strong>de</strong>cimentos...”<br />
Se, por acaso, <strong>de</strong>ssem voz e sentimento ao <strong>de</strong>funto, ele agra<strong>de</strong>ceria<br />
e beijaria <strong>de</strong> pés juntos, os pés do irmão, pela honraria <strong>de</strong> estampar seu<br />
nome num jornal <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação.<br />
Rodolfo fez sua parte, ficou com a consciência tranquila, mas<br />
achou que <strong>de</strong>u milho a bo<strong>de</strong>. Seu irmão não tinha amigos, a família era<br />
pequena e ninguém leria nota <strong>de</strong> falecimento <strong>de</strong> um zero à esquerda.<br />
Concorrer, no dia <strong>de</strong> Natal, com “Missa do Galo”, com as melhores<br />
igrejas da cida<strong>de</strong>, era <strong>de</strong>mais para o anônimo Lindolfo.<br />
Igreja às moscas. Marta, na primeira fileira, luto fechado,<br />
<strong>de</strong>bulhava um terço e chorava a quatro ventos. As poucas pessoas<br />
presentes ficaram emocionadas com tanta emoção.<br />
Revista Volume LI.p65 246<br />
12/5/2009, 15:29