DA EVISTA CADEMIA INEIRA ETRAS - Academia Mineira de Letras
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210 _______________________________________________ R<strong>EVISTA</strong> <strong>DA</strong> A<strong>CADEMIA</strong> M<strong>INEIRA</strong> DE L<strong>ETRAS</strong><br />
RE-CRIAÇÃO E IRREVERSIBILI<strong>DA</strong>DE <strong>DA</strong> POESIA<br />
Poesia é re-criação. E’ ato <strong>de</strong> criar novamente as palavras, <strong>de</strong>terminando-lhes<br />
outras funções. Um vocábulo morto po<strong>de</strong> assumir, quando<br />
colocado propositadamente no verso, uma exuberância insuspeitada.<br />
Num poema <strong>de</strong>dicado a Mário Matos, “Solvent Saecula”, sobre o<br />
qual po<strong>de</strong>ríamos arquitetar toda uma teoria geral da linguagem poética ou<br />
da metalinguagem, lemos palavras triviais, mas o conjunto resulta num<br />
belo espetáculo <strong>de</strong> som:<br />
Ó fantasmas sem cor, que traçais esta ronda,<br />
na noite em torno a mim, a que viestes vós?<br />
A beleza <strong>de</strong> um poema é intocável, pela virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua condição<br />
irreversível. Qualquer tentativa <strong>de</strong> intervenção estranha, <strong>de</strong> reversão <strong>de</strong><br />
seus termos, como na linguagem científica ou filosófica, resultaria em<br />
<strong>de</strong>composição, em dilaceração, pois os membros <strong>de</strong> um poema formam<br />
uma totalida<strong>de</strong> indivisa. A obra <strong>de</strong> arte é por isso intocável. Nasce<br />
perfeita das mãos <strong>de</strong> seu criador e só por ele po<strong>de</strong> ser manipulada. A<br />
linguagem científica, ao contrário, só mantém compromisso com a<br />
objetivida<strong>de</strong>. Difere por isso substancialmente da poética. E a poesia não<br />
existe para nos mostrar verda<strong>de</strong>s cientificas. Ocasionalmente, po<strong>de</strong> até<br />
<strong>de</strong>monstrá-las. A sugestão poética não é realizada, porém, para nos<br />
ensinar que a água é composta <strong>de</strong> hidrogênio e oxigênio, por exemplo,<br />
mas para exclamar: – “As lágrimas do céu em catadupas”... Não se trata<br />
<strong>de</strong> apurar a verda<strong>de</strong> ou o erro. Cuida-se <strong>de</strong> sentir. Não há poesia didática.<br />
Os termos se repelem. São antinomias. É o caso, entre outros, <strong>de</strong> L’Art<br />
Poétique, <strong>de</strong> Boileau, e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> retirarei esta <strong>de</strong>claração, absolutamente<br />
verda<strong>de</strong>ira, com que abre seu poema chamado didático. Em versos, diz o<br />
poeta francês do “Setecentos”, que é tolice querer atingir o Parnaso se os<br />
astros, ao nascermos, não nos fizeram poetas, pois para os <strong>de</strong>spojados<br />
<strong>de</strong>sse dom, “Febo é surdo e Pégaso manhoso”. Po<strong>de</strong> não ser poesia, mas<br />
é a verda<strong>de</strong>.<br />
Revista Volume LI.p65 210<br />
12/5/2009, 15:29