DA EVISTA CADEMIA INEIRA ETRAS - Academia Mineira de Letras
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142 _______________________________________________ R<strong>EVISTA</strong> <strong>DA</strong> A<strong>CADEMIA</strong> M<strong>INEIRA</strong> DE L<strong>ETRAS</strong><br />
ser impressionante porque vários cronistas se referem a ele:<br />
Foster, o príncipe Wied, Luccock.... E ainda as duas<br />
mulheres (a mãe e a tia), levavam José Maurício às festas <strong>de</strong><br />
igreja, on<strong>de</strong> o pequeno rezava ainda mal convicto, distraído<br />
com as músicas então aplaudidas do padre Manuel da Silva<br />
Rosa. (ANDRADE, op. cit.: 132)<br />
Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> introduz o parágrafo citado com um exemplo do<br />
que M. Bakhtin chama <strong>de</strong> “motivação pseudo-objetiva”. Na frase – Filho<br />
<strong>de</strong> preto sabe cantar – todos os índices formais indicam a afirmativa<br />
como do próprio Mário. Mas, na verda<strong>de</strong>, ele adota a perspectiva<br />
subjetiva da opinião corrente. O escritor apropria-se <strong>de</strong> uma opinião já<br />
sedimentada na socieda<strong>de</strong> brasileira, <strong>de</strong> tradição escravocrata, que<br />
consi<strong>de</strong>ra aptidões como a música, a dança e o esporte características da<br />
raça negra. Indiretamente, explica-se a atitu<strong>de</strong> humil<strong>de</strong> do músico padre<br />
Maurício diante da autorida<strong>de</strong> máxima, e branca, do Reino, no trecho da<br />
anedota anterior.<br />
O texto <strong>de</strong> Mário cumpre dois objetivos simultâneos. Literariamente,<br />
funciona como uma <strong>de</strong>scrição, ambientação precisa, quase<br />
fotográfica <strong>de</strong> um cenário. Musicalmente, enumera as três categorias <strong>de</strong><br />
música que chegavam até o músico menino: o eco dos salões com suas<br />
modinhas, os cantos negros e a música sacra. Delineiam-se, assim, as<br />
influências principais na formação do compositor.<br />
Na sequência do artigo, alguns outros dados biográficos traçam o<br />
perfil humano do artista: estudos, gratidão para com os benfeitores e, até,<br />
um minucioso retrato físico – “magro, alto, moreno escuro, olhar bem<br />
vivo, lábios grossos, maçãs pontudas, narinas cheias.” (ANDRADE, op.<br />
cit.: 133). Por meio <strong>de</strong> tais estratégias, a figura histórica torna-se cada vez<br />
mais personagem literário.<br />
O escritor apresenta-nos, ainda, importantes observações sobre a<br />
prática musical e os instrumentos da época. Mário, salientando “o velho<br />
preceito europeu, exigindo música nova mais que inspirada”, remete o<br />
leitor ao lado artesanal da criação musical ainda vigente no século XVIII:<br />
a quantida<strong>de</strong> assombrosa da produção religiosa <strong>de</strong> um Bach, <strong>de</strong> um<br />
Revista Volume LI.p65 142<br />
12/5/2009, 15:29