DA EVISTA CADEMIA INEIRA ETRAS - Academia Mineira de Letras
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244 _______________________________________________ R<strong>EVISTA</strong> <strong>DA</strong> A<strong>CADEMIA</strong> M<strong>INEIRA</strong> DE L<strong>ETRAS</strong><br />
Lindolfo ficou em casa. Não conhecia outros mundos e se culpava<br />
pela ida do pai, pela ida <strong>de</strong> Rodolfo, pela ira da avó, pelo enfado das tias<br />
e pela morte da mãe. O remorso o corroía.<br />
Uma das tias, Beatriz, quarenta e poucos anos, pernas roliças, saia<br />
acima do joelho, sandália que entrelaçava o tornozelo e esmalte vermelho<br />
nas unhas dos pés, tinha o aroma que mais o sensibilizava e que traduzia<br />
o cheiro <strong>de</strong> mulher. Seu fetiche predileto. Um assombro para os<br />
anos finais da década <strong>de</strong> cinquenta. Por isso mesmo não arrumou um<br />
marido. Os homens fugiam assustados com tanta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e<br />
arrebatamento.<br />
E, além <strong>de</strong> tudo, dirigia uma Rural Willys. Dirigia com carteira do<br />
Detran (ela e mais trinta e sete mulheres <strong>de</strong>spudoradas da cida<strong>de</strong> eram<br />
habilitadas). E usava saia acima do joelho. Heresia e das bravas. Às<br />
vezes, ela se investia <strong>de</strong> mãe e levava Lindolfo para o Grupo Escolar.<br />
Ele, ao lado, excitado com as manobras da tia. Quando ela<br />
afundava o pé <strong>de</strong> esmalte vermelho na embreagem, abrindo as pernas,<br />
dando um lance maravilhoso e mudava a marcha com mãos esmaltadas<br />
<strong>de</strong> vermelho, ele ficava vermelho.<br />
E se remoía <strong>de</strong> remorso.<br />
A vonta<strong>de</strong> era tão forte <strong>de</strong> tocar naquelas pernas, que inventou uma<br />
pergunta. Pela primeira vez, acariciou uma perna <strong>de</strong> mulher e achou que<br />
Deus escreve por linhas retas e lisas e perguntou:<br />
– Titia, on<strong>de</strong> andará o Rodolfo? Sinto tanta sauda<strong>de</strong>...<br />
A titia, mais cínica e mais excitada do que ele, não soube respon<strong>de</strong>r<br />
on<strong>de</strong> andava o Rodolfo e nem on<strong>de</strong> estava com a cabeça <strong>de</strong> ficar excitada<br />
com aquele pirralho.<br />
Os dois ficaram com remorso.<br />
Lindolfo cresceu com remorso, fez-se moço, fez-se homem e<br />
casou-se com Marta. Oito anos mais velha. Cerzi<strong>de</strong>ira.<br />
Rodolfo não <strong>de</strong>u sorte com a Beatriz, mas seduzia a meta<strong>de</strong><br />
feminina do país. Desonrou mulheres casadas e honradas, prometeu mais<br />
mundos do que fundos, enriqueceu pela bela plástica, casou e <strong>de</strong>scasou<br />
cinco vezes e acumulou riqueza por conta <strong>de</strong> mulheres apaixonadas e<br />
<strong>de</strong>savisadas. Nem lembra que Lindolfo existe. Saiu ao pai.<br />
Revista Volume LI.p65 244<br />
12/5/2009, 15:29