DA EVISTA CADEMIA INEIRA ETRAS - Academia Mineira de Letras
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200 _______________________________________________ R<strong>EVISTA</strong> <strong>DA</strong> A<strong>CADEMIA</strong> M<strong>INEIRA</strong> DE L<strong>ETRAS</strong><br />
De fato, a i<strong>de</strong>ia é velha. No entanto, a disposição das palavras, em<br />
todo o quarteto, <strong>de</strong>monstra o cuidadoso compositor que se não <strong>de</strong>ixa<br />
arrastar só pelo estro. “Velho relógio, amigo <strong>de</strong> outras eras, esquisito,<br />
bizarro, original”: estes dois versos valorizam sobremaneira o soneto e<br />
nos dispõem à leitura pelo tom ameno e intimista da exposição. Dispondo<br />
os três adjetivos em sistematizada gradação: “esquisito, bizarro,<br />
original”, os três com a mesma forma expressional, mas encarreirados<br />
num verso e vindo após ao “Velho relógio, amigo <strong>de</strong> outras eras”,<br />
assumem um volume tonal e uma dimensão lírica susceptíveis <strong>de</strong> nos<br />
emocionar, para nos transportar a uma ampla sala, batida pelo sol <strong>de</strong><br />
domingo, com gran<strong>de</strong>s janelas rasgadas sobre uma praça ou rua e a nossa<br />
infância fluindo no tempo sob o comando do tic-tac <strong>de</strong> um relógio<br />
pendurado na pare<strong>de</strong> ou carrilhão preguiçoso, encostado a um dos cantos,<br />
movendo a pendula como uma almanjarra.<br />
Po<strong>de</strong>r-me-eis dizer que isto não é poesia, quer dizer, poesia pura. E<br />
por que não? Poesia me transporta, retira-me do mundo tal como é, para<br />
me atirar num mundo como eu queria que fosse. Informam a linguagem<br />
poética os valores afetivos e irracionais. Na poesia <strong>de</strong> Armond<br />
sobrelevam os valores afetivos, isto é, tropos que nos arrastam<br />
implacavelmente e dispõem nossa estesia a espreitar os horizontes<br />
escampos do sentimento. Seria difícil a qualquer parnasiano abusar dos<br />
valores irracionais, peregrinos da forma que eram. Forma quer dizer<br />
formalismo, aca<strong>de</strong>mismo. A tal “licença poética” seria o único pecado<br />
daqueles evos. O que se po<strong>de</strong> admitir talvez será a composição<br />
inconsciente – mecanismo inteiramente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> outros centos <strong>de</strong><br />
volição, até hoje <strong>de</strong>sconhecidos. A isto chamaríamos inspiração, estro,<br />
sopro poético, e este foi sempre o clima da genuína criação. A criação da<br />
obra <strong>de</strong> arte – é um truísmo afirmar – é absolutamente inconsciente.<br />
Ainda que o camartelo trabalhe posteriormente, para <strong>de</strong>sbatar e polir, o<br />
fiat original não sabemos como surgiu. É um processo inteiramente filho<br />
do subconsciente e que movem mãos ocultas. Lançados os primeiros<br />
fundamentos, o restante já é trabalho <strong>de</strong> ourives. A poesia <strong>de</strong> Armond<br />
revela-nos nitidamente o que vem da inspiração e o que vem do<br />
artesanato.<br />
Revista Volume LI.p65 200<br />
12/5/2009, 15:29