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Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

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100<br />

(...) O que você me <strong>de</strong>u não basta para aquecer nem sequer a ponta<br />

dos meus <strong>de</strong>dos. Quero uma chama violenta e alta. Quero sangue<br />

para o frio <strong>de</strong>ste (sic) coração que não bate. Alguma coisa, Renato,<br />

que impeça a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> fugir <strong>de</strong> mim gota a gota, minuto <strong>por</strong> minuto,<br />

transformando-se numa sombra <strong>de</strong> criatura. To<strong>da</strong>s as noites sinto<br />

um frio estranho, sobrenatural. (CARDOSO, s/d:25-26)<br />

Ele volta a insistir no médico e ela, levantando-se, abandona a atitu<strong>de</strong><br />

apaixona<strong>da</strong> e retoma a agitação <strong>de</strong> antes. Duvi<strong>da</strong> do marido e <strong>da</strong>s<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> amor, concluindo: “Você será como os outros, Renato, que<br />

não vêem em mim senão um ser morto e <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> razão. Estou sozinha e<br />

não tenho amigos” (CARDOSO, s/d:26). Ele fala <strong>de</strong> novo no médico e ela se<br />

recolhe na mesma atitu<strong>de</strong> agressiva <strong>de</strong> antes, dizendo-lhe que ele e todos os<br />

conhecidos imaginam que ela está louca: “Sei que falam sobre isso e<br />

comentam em voz baixa a <strong>de</strong>sgraça do seu lar.” (CARDOSO, s/d:27) E conclui:<br />

“Mas eu combaterei sozinha e lúci<strong>da</strong>, ca<strong>da</strong> vez mais lúci<strong>da</strong>, nesse inferno que<br />

vocês criaram para as mulheres como eu!” (CARDOSO, s/d:27).<br />

O segundo ato abre um cenário diferente do anterior. A cena <strong>de</strong>scortina<br />

o quarto <strong>de</strong> dormir do casal. É o menor quarto <strong>da</strong> casa, escolhido <strong>por</strong> Gina que<br />

não aceita mu<strong>da</strong>r-se para outro. Suas pare<strong>de</strong>s são cinza-escuro, não há<br />

janelas. Há uma única <strong>por</strong>ta “e é uma <strong>por</strong>ta gra<strong>de</strong>a<strong>da</strong>, <strong>de</strong> varões grosso como<br />

os <strong>de</strong> uma prisão” (CARDOSO, s/d:28). Além <strong>da</strong> cama e <strong>de</strong> um pequeno divã<br />

aos seus pés, o cômodo não possui outros móveis. Se o primeiro cenário<br />

sugeria o tumulto interior <strong>da</strong> protagonista, este sugere a visão <strong>da</strong> mulher sobre<br />

sua vi<strong>da</strong> conjugal: uma prisão 47 .<br />

Em cena está Gina, com um “negligé” branco longo quando entra a<br />

“mulher <strong>de</strong> preto” – que usa o mesmo “<strong>de</strong>shabillé” negro que a protagonista<br />

usava no primeiro ato. Em torno <strong>de</strong>la, “a luz é diferente, ver<strong>de</strong>, irreal”<br />

(CARDOSO, s/d:28) e a acompanha <strong>por</strong> todo o palco sem se aproximar <strong>de</strong><br />

Gina. O diálogo entre elas acontece “em tom baixo, sufocado e familiar como<br />

47 SZONDI, analisando o cenário <strong>de</strong> Huis Clos, <strong>de</strong> Sartre, diz: “O palco é um salon style Second Empire<br />

no inferno. Por que uma obra profana se passa no inferno e <strong>por</strong> que este figura como salão só encontra<br />

uma explicação com base no ‘método <strong>da</strong> inversão’ que G. An<strong>de</strong>rs elucidou nas obras <strong>de</strong> Esopo, Brecht e<br />

Kafka. Na expressão seculariza<strong>da</strong>, Sartre quer dizer que a vi<strong>da</strong> social seria o inferno; mas inverte a<br />

predição e mostra o inferno como salon sitlyle Second Empire (...)” (2001:120) Foi seguindo o mesmo<br />

raciocínio que concluí sobre significado do cenário <strong>de</strong>ste ato do drama cardosiano.

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