Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
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apenas em companhia <strong>da</strong> mulher. A saí<strong>da</strong> <strong>de</strong>le <strong>de</strong>sespera Aíla, que foge do<br />
marido:<br />
123<br />
Que farei agora, como su<strong>por</strong>tarei esta solidão? Acabou-se tudo, ele<br />
era a única razão <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>. É ele a quem amo, e não este<br />
homem que durante a noite me aperta nos braços. E tudo isto <strong>por</strong>que<br />
mentiram-me (sic), enganaram-me <strong>da</strong> pior forma possível, pois não<br />
há neste mundo somente espinheiros bravos, nem to<strong>da</strong> terra é dura<br />
e negra. Há seres brancos, e há paisagens que a gente olha sem<br />
<strong>de</strong>sespero... Mas eu morro <strong>da</strong> mentira que me fizeram, morro <strong>de</strong><br />
sentir meu coração partido agora <strong>por</strong> um ódio sem fim e sem limites.<br />
Detesto o meu marido, <strong>de</strong>testo os que me cercam, <strong>de</strong>testo a Deus<br />
que me fez queima<strong>da</strong> <strong>por</strong> este sol <strong>de</strong> maldição! (NASCIMENTO,<br />
1961:57)<br />
Como já foi analisado, ela sofre menos <strong>por</strong> amor a Assur do que <strong>por</strong> ver-<br />
se encerra<strong>da</strong> numa vi<strong>da</strong> que a infelicita. Seu repúdio ao marido lembra o <strong>de</strong><br />
Gina (A Cor<strong>da</strong> <strong>de</strong> Prata) ou <strong>de</strong> I<strong>da</strong> (Mãos vazias) e essas mulheres o<strong>de</strong>iam<br />
mais as vi<strong>da</strong>s que levam do que ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente têm consciência do valor (ou<br />
<strong>da</strong> ausência <strong>de</strong> valor) do homem ao seu lado.<br />
No ato final, todos estão em cena, exceto Assur e Moab. Aguar<strong>da</strong>m o<br />
primeiro que, numa reversão paródica <strong>da</strong> parábola bíblica, chega “ricamente<br />
vestido, e com um manto <strong>de</strong> veludo bor<strong>da</strong>do a ouro sobre os ombros. Seguem-<br />
no três escravos negros, vestidos com tangas ver<strong>de</strong>s. Ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les traz uma<br />
canastra na cabeça...” (NASCIMENTO, 1961: 59). Como assinala Bessa,<br />
“Assur não volta como filho, mas como estrangeiro (...) e, ao invés <strong>de</strong><br />
humilhado, volta orgulhoso (...)” (BRANDÃO: 1998:73). Ele traz presentes para<br />
os familiares e todos admiram-lhe a riqueza, exceto Manassés que acaba <strong>por</strong><br />
suplicar ao Pai não permitir que o humilhem <strong>da</strong>quela forma.<br />
Sem compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> imediato o alcance <strong>da</strong>s palavras do primogênito, o<br />
Pai retruca que é dia <strong>de</strong> festa <strong>por</strong> que o irmão “estava fora, estava como morto<br />
e reviveu para nós” (NASCIMENTO, 1961:61). Mas, como na história bíblica,<br />
Manassés sente-se diminuído. Frente ao irmão, veste-se mal e, na própria<br />
<strong>de</strong>scrição, é “sujo como a escória <strong>da</strong> terra”, “pior do que os escravos <strong>de</strong> Assur”.<br />
Reclama <strong>por</strong>que “Sempre arei dia e noite e <strong>de</strong>rramei meu suor nos sulcos<br />
duros e sem vi<strong>da</strong>” (NASCIMENTO, 1961:61) e, mesmo tendo produzido frutos<br />
para todos, nunca o festejaram como faziam agora com o recém-chegado.