Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
as riquezas que possui, acena-lhe com a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> herdá-las e insiste<br />
quanto à necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, que seria frágil. Irrita<strong>da</strong>, a jovem<br />
assegura-lhe, mais <strong>de</strong> uma vez, que se sente muito bem e que não <strong>de</strong>seja<br />
ficar, que haveria outras moças mais necessita<strong>da</strong>s <strong>da</strong> cari<strong>da</strong><strong>de</strong> que lhe é<br />
ofereci<strong>da</strong>. Ain<strong>da</strong> na tentativa <strong>de</strong> seduzi-la, Angélica vai buscar os vestidos que<br />
já pertenceram às outras que lá viveram e que, a partir <strong>de</strong> então, seriam <strong>de</strong>la.<br />
135<br />
Nesse momento, entra Leôncio. Lídia lhe pergunta sobre as outras<br />
jovens, <strong>de</strong> que morreram e ele assegura-lhe que “Morreram naturalmente,<br />
como todos morem” (CARDOSO, s/d:31). Surpreen<strong>de</strong>-se ao saber que a jovem<br />
reluta, insiste para que fique alegando que “houve uma transação” (CARDOSO,<br />
s/d: 32) com a mãe <strong>da</strong> jovem que “quer apenas o seu bem, o seu conforto”<br />
(CARDOSO, s/d: 32). Termina confessando que a observa há tempos:<br />
LEÔNCIO: Há muito tempo que eu a acompanho... há muito tempo<br />
que eu vejo a menina <strong>de</strong> longe...<br />
[...]<br />
LEÔNCIO (Atingindo-a quase): Foi para que pu<strong>de</strong>sse vê-la que eu a<br />
trouxe aqui, não um minuto, um instante passageiro como na<br />
estra<strong>da</strong>, mas horas, dias inteiros! De que me valia aquilo? Po<strong>de</strong>-se<br />
num minuto envenenar a vi<strong>da</strong> inteira, mas não é possível enchê-la<br />
com a fugaz alegria <strong>de</strong> um único instante.<br />
LÍDIA: Quem lhe <strong>de</strong>u o direito <strong>de</strong> trazer-me aqui? Que preten<strong>de</strong>, que<br />
espera que eu faça?<br />
LEÔNCIO (Tocando-a no braço): Na<strong>da</strong>, não quero que faça na<strong>da</strong>. Já<br />
não é pouco que esteja aqui e respire o mesmo ar que respiro.<br />
(CARDOSO, s/d:35)<br />
Ela se assusta e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> partir quando Angélica volta. Leôncio sai e a<br />
jovem conta o que ouvira. Angélica lhe diz que ele não é digno <strong>de</strong> confiança,<br />
que é como os loucos que aparentam normali<strong>da</strong><strong>de</strong>:<br />
ANGÉLICA: São loucos <strong>por</strong>que apenas representam o homem<br />
sensato. Dentro <strong>de</strong>les, no âmago, apenas é noite escura e o cáos<br />
(sic): nesta região solitária são como cegos que na<strong>da</strong> tivessem<br />
aprendido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> comum <strong>de</strong> todos nós.<br />
(...)<br />
Apenas simulam o homem sensato, pois apren<strong>de</strong>m com minúcia e<br />
cautela os gestos que todos fazem. Mas não se engane, enquanto<br />
riem e conversam, há <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>les um louco que espia sem na<strong>da</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r. Para este ser estranho e <strong>de</strong> pupilas brancas, não<br />
existem as leis naturais e a or<strong>de</strong>m estabeleci<strong>da</strong>. (...) (CARDOSO,<br />
s/d:38-39)