Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
sempre agressivamente – a situação retrata<strong>da</strong> pela novela ganha uma<br />
<strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> muito maior <strong>por</strong>que consegue com<strong>por</strong> um ambiente social no qual a<br />
recusa <strong>de</strong> I<strong>da</strong> ganha sentido. Nas personagens do marido, do médico e <strong>da</strong><br />
amiga <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>, <strong>Lúcio</strong> consegue representar diferentes visões <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em que a protagonista está inseri<strong>da</strong> e, com isso, o com<strong>por</strong>tamento<br />
<strong>de</strong> I<strong>da</strong> <strong>de</strong>sdobra conflitos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> empírica.<br />
150<br />
Não à toa, um crítico <strong>da</strong> época resumiu o drama <strong>da</strong> personagem como<br />
falta <strong>de</strong> vergonha na cara 73 , mostrando que o com<strong>por</strong>tamento <strong>da</strong>s mulheres<br />
fora <strong>da</strong>s páginas literárias ain<strong>da</strong> estava igualmente marcado <strong>por</strong> concepções<br />
<strong>de</strong> extremos (ou <strong>de</strong> família, ou <strong>da</strong> rua) e que os matizes, só pouco a pouco,<br />
iam-se tornando mais claros também para a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> dos anos 30 e 40.<br />
Nesse contexto, a opção <strong>de</strong> I<strong>da</strong> pelo isolamento convi<strong>da</strong>ria à reflexão sobre a<br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que provocou aquele com<strong>por</strong>tamento <strong>por</strong>que a <strong>clausura</strong> indicia as<br />
contradições sociais entre o status quo e as novas aspirações emergentes que<br />
se singularizaram naquele indivíduo.<br />
Já no drama, embora Gina se faça acompanhar, em cena, também <strong>de</strong><br />
um marido, <strong>de</strong> um médico e <strong>de</strong> uma emprega<strong>da</strong> que a conhece <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
infância (<strong>por</strong>tanto, personagens análogos aos <strong>da</strong> novela), na composição <strong>de</strong><br />
seus caracteres e na construção <strong>de</strong> seus diálogos, <strong>Lúcio</strong> <strong>Cardoso</strong> não<br />
conseguiu sintetizar um horizonte social que <strong>de</strong>sse sustentação ao conflito <strong>da</strong><br />
personagem principal. Por isso, ao contrário <strong>de</strong> I<strong>da</strong>, a <strong>clausura</strong> <strong>de</strong> Gina surge<br />
como uma insensatez individual, uma loucura socialmente inconseqüente<br />
<strong>por</strong>que, como a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> pali<strong>da</strong>mente representa<strong>da</strong> aparece como<br />
harmônica, a diferença <strong>da</strong> protagonista não traz qualquer reflexão para a<br />
reali<strong>da</strong><strong>de</strong> empírica. O isolamento aparece como um problema psíquico<br />
individual e <strong>de</strong>ixa intacta a vi<strong>da</strong> social.<br />
Essa comparação remete às análises que SZONDI <strong>de</strong>senvolve na obra<br />
a que venho fazendo referência. Segundo o crítico, entre os anos <strong>de</strong> 1880 e<br />
1950, na Europa, autores e obra teatrais negaram “em seu conteúdo o que, <strong>por</strong><br />
fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> à tradição [quiseram] continuar a enunciar formalmente: a atuali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
intersubjetiva” (2001:92). Nesse processo, o caráter absoluto <strong>da</strong> forma<br />
73 Cf: capítulo 3 <strong>de</strong>sta Tese.