Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
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Inicia-se um diálogo tenso. Marcos <strong>de</strong>cidiu abandonar a casa, ir para<br />
longe e Lisa dá-lhe razão <strong>por</strong> <strong>de</strong>sejar partir, reconhece que Há alguma coisa<br />
nessa casa que não nos dá o direito <strong>de</strong> viver 37 (CARDOSO, 1973:23). Ele<br />
afirma que observou a falta <strong>de</strong> alguns objetos que Augusta teria vendido<br />
justamente no dia anterior e afirma: Ela ven<strong>de</strong>rá tudo, ela nos <strong>de</strong>struirá sem<br />
pie<strong>da</strong><strong>de</strong>, fará <strong>de</strong> nós o que fez <strong>de</strong> Isabel (CARDOSO, 1973:23). Apesar <strong>de</strong> <strong>da</strong>r<br />
razão ao amigo <strong>de</strong> infância, Lisa queixa-se:<br />
(aproximando-se, <strong>de</strong>sampara<strong>da</strong>) E <strong>de</strong> novo eu ficarei sozinha entre<br />
estas pare<strong>de</strong>s. Oh, Marcos, não é possível que você me abandone<br />
assim! Antes eu ain<strong>da</strong> tinha esperança, contava com a sua vin<strong>da</strong>.<br />
Mas se partir agora, sei que você não voltará mais – e para mim será<br />
a morte <strong>de</strong>finitiva. (CARDOSO, 1973:24)<br />
Sua reação leva Marcos a acreditar que ela também seja apaixona<strong>da</strong><br />
<strong>por</strong> ele. Mas ela retruca: Não, não é isso que eu quero dizer. (CARDOSO,<br />
1973:24), acrescentando que a razão <strong>de</strong> sua angústia está no passado do qual<br />
não consegue se livrar:<br />
(...) Passei cinco anos revivendo uma vi<strong>da</strong> inteira, hora <strong>por</strong> hora,<br />
minuto <strong>por</strong> minuto, um século <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>s! O que você disse sobre a<br />
nossa infância, os brinquedos, as rosas... Não compreen<strong>de</strong>u ain<strong>da</strong><br />
que tudo isso vive em mim <strong>de</strong> uma maneira atroz? (CARDOSO,<br />
1973:24)<br />
A evocação do passado traz Silas <strong>de</strong> volta à cena e Marcos lembra que<br />
Augusta não conseguia perdoar ao irmão. Lisa aproveita para ex<strong>por</strong> uma<br />
dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> anos: seria o ex-marido um homem ruim?<br />
Não sei, Lisa, nunca o soube. Nele tudo se confundia num amálgama<br />
<strong>de</strong> mistério, sofrimento e simulação. Havia em sua alma qualquer<br />
coisa terrivelmente massacra<strong>da</strong>, algo que ele não podia nos perdoar.<br />
Ou talvez ele não tivesse conseguido matar senão a si mesmo. O<br />
certo é que eu não o amava, nunca pu<strong>de</strong> amá-lo. Sempre me causou<br />
um terror animal, obscuro. Às vezes ouço ain<strong>da</strong> um gemido ou a sua<br />
voz que <strong>de</strong> longe me pe<strong>de</strong> para perdoá-lo... (CARDOSO, 1973:25)<br />
Ou talvez ele não tivesse conseguido matar senão a si mesmo. A fala<br />
<strong>de</strong>ixa, nas entrelinhas, a sugestão <strong>de</strong> que Silas tenha cometido suicídio.<br />
37 Sua fala ecoa a <strong>de</strong> Augusta, ain<strong>da</strong> no primeiro ato: Mas há aqui alguma coisa que não se <strong>de</strong>ixa vencer.<br />
(CARDOSO, 1973:4)<br />
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