Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

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114 Quanto à encenação, contudo, o crítico louva o esforço dos atores, mas assinala a falta que fez uma “direção segura”, afirmando que Abdias Nascimento não conseguiu desincumbir-se bem da tarefa e as interpretações, em conseqüência, ficaram monótonas, pausadas demais, com gestos e atitudes artificiais e tom declamatório em cenas “rudes, de profundo sentido humano”. Contudo, o parecer mais desfavorável a “O Filho Pródigo”, ao menos pelo conceito que o crítico adquiriu no cenário brasileiro, foi o de Décio de Almeida Prado, que já começa assim: “O Filho Pródigo”, de Lúcio Cardoso, é bem um sinal dos tempos. Como pode um homem inteligente, sensível, escrever uma peça que é um monumento de literatice, em que não há um sentimento, uma idéia que não venha revestida de uma crosta espessa e impenetrável de literatura?” (PRADO, s/d: 123) Prado analisa, numa perspectiva critica, o problema de se “aproveitar literariamente” a figura dos negros na literatura já que “em sua maioria são ainda uns pobres coitados, sem dinheiro, sem saúde, sem cultura, sem arte, sem nada”. E aponta a saída encontrada pelos artistas: ... nada mais simples: basta dar propositada e desdenhosamente as costas a toda e qualquer realidade humana e psicológica. Por essa regra simples de fazer literatura, toda peça negra deve ser de preferência poética e, se possível, bíblica. Não há mais operários nem colonos entre os negros do nosso palco: apenas Édipos ou Reis Lears em perspectiva. Nenhum problema econômico ou social os aflige: unicamente a angústia de ser ou a perplexidade filosófica perante a fragilidade da condição humana. (PRADO, s/d: 124) A crítica de Décio de Almeida Prado é acurada, mas, como já foi visto, o Autor mineiro desligara-se, desde seu terceiro romance, de qualquer compromisso com a observação direta da realidade empírica e não seria diferente neste drama. Como já afirmei e o próprio crítico percebeu, Lúcio se volta para a condição existencial humana sem qualquer preocupação de situar os dramas e seus personagens em contextos históricos ou sociais precisos. Pode-se até considerar que essa foi uma má escolha estética, mas é preciso perceber que era por esse caminho que se pautava o Autor.
115 O crítico segue argumentando que o enredo se apóia em situações incoerentes, critica seus clichês e ainda assinala a inconveniência da presença de uma cabra ... que alguém teve a má idéia de colocar em cena, esquecendo-se de que uma cabra, mesmo numa peça poética e embora possua um lindo nome bíblico – Sara – é sempre uma cabra. Isto é, um ser que, não conhecendo teorias estéticas, nada sabendo sobre literatura, ignorando tudo a respeito da estilização poética, não pode deixar de introduzir na representação, sem o querer, enquanto vai encarando placidamente os espectadores ou tentando abocanhar algum pedaço do cenário mais ao seu alcance, uma nota inesperada de malícia animal, uma presença viva, carnal. Quem é que se vai preocupar com um peregrino bíblico quando pode observar uma coisa deliciosamente simples, espontânea, natural – uma cabra? (PRADO, s/d: 125) Apesar disso, afirma que “a segunda apresentação do ‘Teatro Experimental do Negro’, dependendo menos do encenador, esteve em nível bem superior ao da primeira” e elogia também os cenários de Anísio Medeiros. 59 O Filho Pródigo, tomado como texto literário e não mais como peça teatral, foi objeto também da reflexão de Daniela Borja Bessa, que aproximou o drama do romance Dias perdidos e do Diário Completo do escritor para, seguindo o viés psicanalítico, investigar a “presença paterna” nas três obras cardosianas. Seu estudo não se prende, entretanto, às especificidades literárias dessas obras, interessando-se somente pela figuração da imagem paterna nos textos selecionados. 4.4.2- O texto dramático Este drama retoma, com algumas intervenções paródicas, a parábola bíblica narrada no Evangelho de Lucas (cap.15, v.11-32). No primeiro ato, conversam Manassés e o Pai sobre o mar e as viagens. O filho pergunta se 59 Essa segunda apresentação, provavelmente a mesma a que se referiu desaprovadoramente Claude Vincent, teve no elenco Abdias Nascimento, Aparecida Rodrigues, José Ezio, Ana Felimonoff e Claudiano Filho e Lea Garcia, de acordo com as informações de Prado (s/d:125)
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