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Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

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se ambas fossem conheci<strong>da</strong>s há muito tempo” (CARDOSO, s/d:28) e revela<br />

que ambas “convivem” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância <strong>de</strong> Gina, quando ela a chamava.<br />

101<br />

A mulher <strong>de</strong> preto aparece convi<strong>da</strong>ndo a protagonista a seguir com ela.<br />

Chama-a <strong>de</strong> covar<strong>de</strong>, conclama-a a ter coragem e a reagir contra a sua vi<strong>da</strong> e<br />

ameaça <strong>de</strong>ixá-la. Gina suplica que vá embora, que não a atormente, lamenta<br />

<strong>por</strong>que todos a consi<strong>de</strong>ram louca. Mas, segundo a mulher <strong>de</strong> preto, não há <strong>por</strong><br />

que se queixar, a loucura “é como uma neblina <strong>de</strong>rrama<strong>da</strong> sobre (sic) as<br />

coisas: faz parte <strong>de</strong> tudo é é (sic) quem faz girar o mecanismo <strong>da</strong> terra (sic)”<br />

(CARDOSO, s/d:31). Às queixas <strong>de</strong> solidão, ela acrescenta:<br />

Mas a loucura não é uma coisa solitária, uma ilha on<strong>de</strong> alguns vão<br />

ter <strong>por</strong> infortúnio... Ao contrário, transmite um sentimento <strong>de</strong><br />

fraterni<strong>da</strong><strong>de</strong> e euforia, e é ela, posso lhe jurar, que dá aos homens a<br />

capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r as palavras <strong>de</strong>siguais que pronunciam.<br />

(...)<br />

(...) Ah, se tentassem extrair do mundo o que pertence à loucura,<br />

tirariam <strong>de</strong>le a sua única possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> justificação. (CARDOSO,<br />

s/d:31-32)<br />

E prossegue, convi<strong>da</strong>ndo-a a “criar uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong> possamos viver<br />

juntas” (CARDOSO, s/d:32). Gina insiste na recusa, provocando respostas<br />

ca<strong>da</strong> vez mais agressivas <strong>da</strong> mulher <strong>de</strong> preto, que termina <strong>por</strong> concluir:<br />

(EM VOZ MAIS ALTA) Quer saber a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, exatamente a<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>? Aí está: você tem medo do seu marido. Já se esqueceu <strong>da</strong><br />

sua ridícula maneira <strong>de</strong> falar, <strong>da</strong>s gravatas <strong>de</strong> mau gosto, <strong>da</strong><br />

tesourinha com que corta meticulosamente as unhas... Esqueceu<br />

todos esses horríveis hábitos que tanto <strong>de</strong>testa? 48 (CARDOSO,<br />

s/d:33)<br />

E você queria ser igual a todo mundo? Não <strong>de</strong>sejava ter mãos fortes<br />

e cruéis, olhos frios e lábios capazes <strong>de</strong> mentir?( CARDOSO, s/d:34)<br />

Quando Gina <strong>de</strong>siste <strong>de</strong> o<strong>por</strong> resistência aos seus argumentos, a mulher<br />

<strong>de</strong> preto lhe esten<strong>de</strong> uma cor<strong>da</strong> e isso a horroriza. Nesse momento, Júlia entra<br />

48 O <strong>de</strong>sprezo no comentário <strong>da</strong> mulher <strong>de</strong> preto ecoa, muitos anos <strong>de</strong>pois, na consciência <strong>de</strong> personagens<br />

femininas <strong>de</strong> Clarice Lispector. Em Desvario e embriaguez <strong>de</strong> uma rapariga, <strong>por</strong> exemplo, a protagonista<br />

também vive uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> altera<strong>da</strong> não pela loucura, mas pela embriaguez. Desse estado, analisa o<br />

companheiro: “E se seu marido não estava borracho é que não queria faltar ao respeito ao negociante, e,<br />

cheio d’empenho e d’humil<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixava-lhe, ao outro, o cantar <strong>de</strong> galo. O que assentava bem para a<br />

ocasião, mas lhe punha, a ela, uma <strong>de</strong>ssas vonta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> rir! um <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>sprezos! olhava o marido metido<br />

no fato novo e achava-lhe uma tal pia<strong>da</strong>!” (LISPECTOR, 1991:21). Como se sabe, Clarice e <strong>Lúcio</strong> foram<br />

gran<strong>de</strong>s amigos e o autor mineiro teve consi<strong>de</strong>rável influência na produção literária <strong>de</strong> Clarice.

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