Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
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Marcos afirma que quer viver com liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e que sentia que isso era<br />
impossível ali. Ele <strong>de</strong>seja romper com os vínculos familiares e <strong>de</strong>ixar a casa<br />
forçaria a ruptura <strong>da</strong> relação simbiótica que Augusta <strong>de</strong>seja manter a todo<br />
custo. Ele a percebe como um empecilho para a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>por</strong>que lhe tolhe a<br />
possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> expressar-se com autonomia. Como se a irmã insistisse que<br />
era um disparate, ele <strong>de</strong>clara irritado:<br />
(Sempre em voz baixa, febril) Pois então direi tudo numa linguagem<br />
que esteja a seu alcance. Augusta, é <strong>de</strong> você, são dos seus olhos<br />
que eu quero livrar-me. São eles que me seguem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que entrei<br />
aqui e <strong>de</strong>les é que vem esta ameaça que me ron<strong>da</strong> 38 . Compreen<strong>de</strong>u<br />
agora? Não, não se levante, não procure encontrar uma <strong>de</strong>sculpa,<br />
quero falar tudo, atirar fora este peso que trago sobre o coração. É<br />
inútil negar, tudo o que existia em mim foi arrebatado, perdido,<br />
inteiramente aniquilado. (CARDOSO, 1973:33)<br />
Ele prossegue na acusação, afirmando que há muito sente a tentativa <strong>de</strong><br />
domínio <strong>da</strong> irmã e que ela também sabia <strong>da</strong> resistência que ele, diferente <strong>de</strong><br />
Isabel, lhe opunha. E que apenas Silas a impedia <strong>de</strong> viver como <strong>de</strong>sejava:<br />
É ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que você estava pronta para a luta... mas Silas ain<strong>da</strong><br />
existia. Só ele existia então nesta casa. Você não tinha direito a<br />
coisa alguma, ele a tratava como uma inimiga <strong>da</strong> pior espécie, como<br />
um animal <strong>da</strong>ninho, como... Augusta, é preciso confessar que ele a<br />
conhecia melhor que nós. (CARDOSO, 1973:33)<br />
Marcos chega a responsabilizá-la pela crise que viveu: Sim, pois exausta<br />
<strong>de</strong>ssa luta sur<strong>da</strong>, a confusão se tinha apo<strong>de</strong>rado do meu espírito (CARDOSO,<br />
1973:33). A discussão prossegue e encontra um novo objeto: a carta que<br />
Marcos estivera a redigir no início <strong>de</strong>ste ato. Augusta quer vê-la, o irmão se<br />
nega a mostrá-la e ela exige, então, que ele não a mostre a mais ninguém. Ela,<br />
<strong>por</strong> fim, <strong>de</strong>clara que conhece seu segredo e ele <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> chamar Lisa <strong>de</strong> volta à<br />
sala a fim <strong>de</strong> que nenhum mal-entendido favoreça as suas maquinações<br />
(CARDOSO, 1973:36).<br />
38 Sua voz ecoa a <strong>de</strong> Augusta no primeiro ato: “Ca<strong>da</strong> vez que passo junto a esses móveis, vejo uma<br />
sombra enorme projetar-se sobre mim como se tivesse a intenção <strong>de</strong> me interceptar os passos.”<br />
(CARDOSO, 1973:6). Como se po<strong>de</strong> observar, Marcos também compartilha do “discurso comum” <strong>da</strong><br />
família. O que o distingue é a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> rompê-lo, o que está ausente dos vagos <strong>de</strong>sejos <strong>da</strong>s mulheres e<br />
que <strong>de</strong>sequilibra o sistema familiar.<br />
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