Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
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Ela é sintoma <strong>de</strong> um tempo em que a família, vista como bem supremo e<br />
refúgio <strong>da</strong>s dores do mundo, era ti<strong>da</strong> como o lugar <strong>da</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> possível e<br />
correspon<strong>de</strong>u a um período <strong>de</strong> afirmação <strong>da</strong> burguesia e <strong>de</strong> seus valores em<br />
oposição ao mundo e aos valores <strong>da</strong> aristocracia. Era um recurso do burguês<br />
que, sentindo-se impotente, refugiava-se nos seus sentimentos, retirando-se<br />
“numa privaci<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a qual as relações políticas e sociais não parecem<br />
exercer po<strong>de</strong>r algum”(SZONDI, 2004:158). No entanto, as condições históricas,<br />
sociais e econômicas transformaram-se e, já no final do século XIX, esse<br />
paraíso que era o lar foi-se <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ndo até tornar-se um inferno.<br />
A insistente presença <strong>da</strong> sentimentali<strong>da</strong><strong>de</strong> nos palcos brasileiros nos<br />
anos 30 do século XX e sua boa recepção <strong>por</strong> parte do público indicam a<br />
resistência <strong>de</strong> autores e platéia aos novos tempos, a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> incor<strong>por</strong>ar<br />
os novos valores aceitando as mu<strong>da</strong>nças que se <strong>de</strong>lineavam dia-a-dia.<br />
Naquele mundo em transformação, ao menos era possível às personagens<br />
negar os conflitos que as transformações sociais produziam e, interiorizando-<br />
os, abandonarem-se ao sofrimento melancólico já tão conhecido do público e<br />
que reaparecia, sobretudo, em Renato Vianna 70 .<br />
Foi esse o contexto artístico que recebeu O Escravo que, anterior <strong>por</strong><br />
alguns dias a Vestido <strong>de</strong> Noiva, sequer pô<strong>de</strong> contar com a boa vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu<br />
sucesso junto à Crítica. Não é difícil perceber que O Escravo se distancia muito<br />
<strong>de</strong> tudo o que vinha sendo, até então, a tônica <strong>da</strong> produção nacional. E é<br />
preciso lembrar que <strong>Lúcio</strong> escreve esse drama na mesma época em que,<br />
publicando Luz no subsolo, sua carreira sofre uma guina<strong>da</strong> aproximando-se<br />
<strong>de</strong>finitivamente <strong>da</strong> linha “intimista” <strong>da</strong> Literatura. Foi justamente esse viés – o<br />
do intimismo – que ele preten<strong>de</strong>u levar ao palco <strong>de</strong> um país que, como já se<br />
observou, não estava muito habituado a isso. 71<br />
To<strong>da</strong>via, essa não foi uma escolha simples e sua realização <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>u<br />
<strong>de</strong> muito mais do que apenas orientação temática ou preferência pessoal.<br />
Explica Peter Szondi, em Teoria do drama mo<strong>de</strong>rno, que, originalmente, o<br />
70 Apesar disso, como se viu, o reacionarismo encontrava motivos <strong>de</strong> escân<strong>da</strong>los: Deus lhe pague foi<br />
censura<strong>da</strong> <strong>por</strong> seu conteúdo subversivo e a Crítica consi<strong>de</strong>rou Sexo uma peça violenta e ousa<strong>da</strong>.<br />
71 Embora já fosse <strong>de</strong> conhecimento do público autores como Ibsen. Sobre a recepção <strong>de</strong> Ibsen no Brasil,<br />
cf: FARIA, 2001:236-245.