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Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

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podia-se atribuir o gesto <strong>da</strong> esposa ao esgotamento nervoso causado pela<br />

<strong>de</strong>dicação maternal ao filho morto. Mas I<strong>da</strong> recusa a solução que, para ele e<br />

para Ana, seria a i<strong>de</strong>al e, sem saber explicar claramente seus motivos, acaba<br />

assumindo para si a única razão que Felipe po<strong>de</strong>ria enten<strong>de</strong>r: já que não<br />

consegue ser feliz no papel tradicional <strong>de</strong> esposa, resta-lhe adotar o outro que<br />

aquela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> reservou para as mulheres:<br />

149<br />

– Não sabe então que entre nós tudo é impossível?<br />

(...)<br />

– Mas <strong>por</strong> quê, I<strong>da</strong>, <strong>por</strong> quê?<br />

Ela voltou a cabeça, mor<strong>de</strong>u os lábios:<br />

– Não é <strong>por</strong> sua causa, eu mesma é que não presto.” (CARDOSO,<br />

1968:98)<br />

Ao ouvir esse discurso, Felipe consegue escutar o que ela vinha<br />

tentando lhe dizer: que o casamento acabara. Não pelos motivos que o leitor<br />

vem acompanhando e tentando, junto com a protagonista, divisar, mas pelo<br />

único que um homem como ele, inserido naquela socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ria<br />

compreen<strong>de</strong>r. As palavras foram imediatamente aceitas como ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

geraram uma reação violenta:<br />

E, <strong>de</strong> repente, tonto, ergueu a mão, esbofeteou-a raivosamente,<br />

exclamando:<br />

– Sua ordinária, sua ordinária, coisa ruim!<br />

(...)<br />

Felipe expandia-se em palavrões atirados à meia-voz, sem nenhum<br />

controle.<br />

(CARDOSO, 1968:104)<br />

E I<strong>da</strong> percebe que, naquela ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, não há espaço para seus <strong>de</strong>sejos.<br />

Caminha até os fundos <strong>da</strong> casa e, entrando no rio, <strong>de</strong>ixa-se morrer. Segundo<br />

Bueno, sua morte ganha especial significação:<br />

O rio é o único elemento <strong>da</strong>quela paisagem que vai para algum lugar<br />

além do vale que lhe fecha os caminhos tanto quanto o espaço<br />

reservado <strong>da</strong> casa. Sua <strong>de</strong>sistência é também a procura radical <strong>por</strong><br />

uma saí<strong>da</strong> que ain<strong>da</strong> não existe. (BUENO, 2001:427-428)<br />

Embora, como já ficou assinalado em A Cor<strong>da</strong> <strong>de</strong> Prata, Gina também<br />

se recuse a ser apenas uma mulher que cumpre com seus <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> esposa<br />

e acata os direitos do marido – expressões que a irritam e a levam a reagir

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