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Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

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homem inteligente, cheio <strong>de</strong> atrativos, mas não era o marido fiel,<br />

amoroso e <strong>de</strong>dicado que [a esposa] tinha imaginado. Apaixonado<br />

pelas mulheres, era infiel ao máximo. Um bom pai, carinhoso, mas<br />

marido <strong>de</strong>scui<strong>da</strong>do. Deixava a mulher esqueci<strong>da</strong> e ela, cheia <strong>de</strong><br />

amor, apaixona<strong>da</strong>, não podia se conformar com aquilo. Acabou<br />

abrindo mão e <strong>de</strong>dicando-se inteiramente aos filhos. (...) Papai não<br />

mu<strong>da</strong>va <strong>de</strong> temperamento. Era o sonhador <strong>de</strong> sempre, à espera <strong>de</strong><br />

um golpe <strong>de</strong> sorte que o favorecesse à última hora: bilhete premiado<br />

<strong>da</strong> loteria <strong>de</strong> Espanha, mina <strong>de</strong> diamantes, mil fantasias. (...)<br />

Acabado o dinheiro, papai que não aturava a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> casa <strong>por</strong> muito<br />

tempo, entediava-se, sentindo falta do “seu sertão” (...). E partia (...).<br />

Os meses corriam e na<strong>da</strong> <strong>de</strong> dinheiro. (...) Muitas vezes tamanha era<br />

a falta <strong>de</strong> dinheiro, que mamãe empenhava os poucos objetos <strong>de</strong><br />

valor que possuía em casa. (CARDOSO, 1967:242-244)<br />

O pai carinhoso <strong>de</strong> que Maria Helena fala com sau<strong>da</strong><strong>de</strong> tinha, contudo,<br />

uma relação muito difícil com seu filho caçula. Nos breves períodos em que<br />

conviviam, as reprovações em relação ao com<strong>por</strong>tamento infantil eram<br />

freqüentes:<br />

... uma criança viva, ocupa<strong>da</strong> sempre com brinquedos diferentes dos<br />

outros meninos. No barracão pegado à casa e que servia <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito<br />

<strong>de</strong> coisas velhas, guar<strong>da</strong>va recortes <strong>de</strong> jornais e revistas dos artistas<br />

<strong>de</strong> cinema <strong>de</strong> sua predileção, programas feitos <strong>por</strong> ele, anunciando<br />

filmes com os mais sugestivos títulos. Quando não estava ocupado<br />

com o cinema e o mês <strong>de</strong> maio já se tinha ido há muito, brincava <strong>de</strong><br />

boneca com as meninas, escan<strong>da</strong>lizando papai que <strong>por</strong> isso brigava<br />

com mamãe (...)<br />

(...)<br />

... papai não compreendia aquele filho tão diferente dos outros,<br />

culpando mamãe pela sua educação <strong>de</strong>feituosa, com tantos mimos.<br />

O menino, sentindo sua hostili<strong>da</strong><strong>de</strong>, era <strong>de</strong>sconfiado, arredio, o que<br />

contribuía ain<strong>da</strong> mais para prejudicá-lo em seu conceito.<br />

(CARDOSO, 1967:316 e 318)<br />

Sem entrar no caminho <strong>da</strong> “psicologia <strong>de</strong> Autor”, po<strong>de</strong>-se imaginar o<br />

dilaceramento interno <strong>de</strong> <strong>Lúcio</strong>, que <strong>de</strong>via se dividir entre as expectativas do<br />

pai (cujo nome her<strong>da</strong>ra) e as suas vocações e inclinações naturais. Graças à<br />

criação religiosa que teve, some-se a consciência do pecado ao fracasso em<br />

assumir o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> suce<strong>de</strong>r o pai e o resultado foi, certamente, fantasmas<br />

que o atormentaram <strong>por</strong> to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>.<br />

Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que o escritor e sua família<br />

;pertenceram àquela categoria que chamei, no segmento 2.1 <strong>de</strong>sta Tese, <strong>de</strong> os<br />

ci<strong>da</strong>dãos “em transição”, ou seja, aqueles que <strong>de</strong>scendiam <strong>de</strong> uma oligarquia<br />

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