13.05.2013 Views

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

acompanhando 39 , como se eu tivesse alguma culpa escondi<strong>da</strong>.<br />

Cheguei a imaginar que eu era realmente um criminoso. Mais tar<strong>de</strong><br />

pensei muito em tudo isso. De que po<strong>de</strong>riam ser culpa<strong>da</strong>s duas<br />

crianças como nós? Sim, Lisa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse tempo que eu a amava,<br />

que eu vivia <strong>da</strong> sua lembrança e <strong>da</strong> sua imagem. (CARDOSO,<br />

1973:38)<br />

A fala transcrita reitera a hipótese levanta<strong>da</strong> sobre os motivos que<br />

favoreceram a crise nervosa <strong>de</strong> Marcos: a rejeição e a culpa, já menciona<strong>da</strong>s,<br />

além do já referido “jogo <strong>de</strong> espelhos”. Morto o irmão e adversário, ele transfere<br />

os sentimentos agressivos para Augusta que, <strong>por</strong> sua vez, esforça-se <strong>por</strong><br />

colocá-lo no lugar do morto que precisa continuar odiando (notem-se a<br />

insistência <strong>de</strong>la em relação à voz <strong>de</strong> Marcos ser a <strong>de</strong> Silas; o cui<strong>da</strong>do em<br />

hospedá-lo no quarto do irmão falecido e, mais tar<strong>de</strong>, a tentativa <strong>de</strong> casá-lo<br />

com Lisa) – o que possibilitaria a ela “unificar” seus dois antagonistas.<br />

No sistema <strong>de</strong>ssa família dilacera<strong>da</strong>, marca<strong>da</strong> pelas disputas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e<br />

pelo rancor, como venho assinalando, Silas é um algoz necessário e seu luto<br />

não po<strong>de</strong> ser elaborado <strong>por</strong>que suas “vítimas” se recusam a abandonar seus<br />

papéis: Augusta vive do po<strong>de</strong>r que exerce sobre Isabel, dos cui<strong>da</strong>dos a Marcos<br />

no passado e, agora, <strong>de</strong> tentar colocá-lo no lugar <strong>de</strong> Silas e, através <strong>de</strong> seu<br />

domínio, alcançar a vitória que tanto persegue, embora renovando o combate<br />

dia a dia; Marcos enxerga nela a opressão a que já se submetera <strong>por</strong> causa <strong>da</strong><br />

culpa – o que indicia que não se livrou <strong>de</strong>la; e Lisa, que se subordinava aos<br />

sadismos do marido, agora submete-se à autori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Augusta cultivando,<br />

masoquistamente, sua reclusão. E todos responsabilizam o falecido pela forma<br />

como conduzem suas vi<strong>da</strong>s.<br />

O terceiro ato se abre com Lisa e Marcos na mesma sala. Vê-se que é<br />

dia, apesar <strong>da</strong> escassa clari<strong>da</strong><strong>de</strong> que penetra através <strong>da</strong>s janelas abertas<br />

(CARDOSO, 1973:21), assinala a rubrica. O amanhecer traz uma carga<br />

simbólica, já que esse é o último ato e se marca <strong>por</strong> uma “escassa clari<strong>da</strong><strong>de</strong>”<br />

nas percepções <strong>da</strong>s personagens que atravessam uma longa noite <strong>de</strong> tantos<br />

anos.<br />

39 É a mesma sensação que Lisa tinha em relação ao marido: Tinha sempre medo <strong>por</strong>que sentia sobre<br />

mim, constantemente, os seus olhos gelados (CARDOSO, 1973:19). Essa percepção prolongou-se, para<br />

Marcos, na figura <strong>de</strong> Augusta: tenho a impressão <strong>de</strong> estar constantemente vigiado, seguido passo a passo<br />

<strong>por</strong> dois olhos implacáveis. Des<strong>de</strong> que entrei aqui imaginei ser esta a sensação <strong>de</strong> um animal que fareja<br />

a presença do caçador. (...) são dos seus olhos que eu quero livrar-me. (CARDOSO, 1973: 32).<br />

81

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!