13.05.2013 Views

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Tais indícios afastam a idéia <strong>de</strong> um final feliz para a jovem que, ao fugir <strong>da</strong><br />

casa <strong>de</strong> Angélica com ele, parece ter apenas trocado <strong>de</strong> algoz.<br />

138<br />

Joana aparece também pronta para partir e confessa a Angélica que a<br />

teme. Ao sair, diz-lhe que se olhe no espelho, <strong>por</strong>que envelheceu.<br />

Atordoa<strong>da</strong>, Angélica monologa repudiando a velhice e o rosto e quebra o<br />

espelho. Caminha até um móvel no fundo <strong>da</strong> cena e retira <strong>de</strong> lá um revólver.<br />

Atira em si mesma e, na agonia, “se arrasta até junto a um fragmento <strong>de</strong><br />

espelho. De joelhos, toma-o nas mãos” (CARDOSO, s/d:68) e, ao contemplar-<br />

se, encontra “a outra, a que [a] espia com os olhos brancos” 68 .<br />

Esse drama apresenta uma diferença fun<strong>da</strong>mental em relação aos<br />

anteriores. Como foi analisado em O Filho Pródigo, até então, a representação<br />

teatral cardosiana seguia um mo<strong>de</strong>lo: as peças traziam uma oposição entre um<br />

indivíduo e o grupo a que pertenciam e, nos dois primeiros, no embate “eu” x<br />

grupo, o “eu” acabava <strong>de</strong>struído. A exceção foi Assur, que sobreviveu <strong>por</strong>que<br />

assumiu seu lugar no grupo original.<br />

Em Angélica, ao contrário, a protagonista é sozinha e, separa<strong>da</strong> do<br />

mundo e dos relacionamentos, precisa do convívio humano para sobreviver<br />

vampirescamente: “Sugar o outro remete (...) à impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do convívio<br />

com a diferença, à existência confina<strong>da</strong> a um cerco em que só é admitido o<br />

eu.”(WALDMAN, 1989:11) Rígi<strong>da</strong> em suas posturas, vaidosa <strong>de</strong>mais para<br />

enxergar além <strong>de</strong> si mesma, movimentando-se em um espaço on<strong>de</strong> os objetos<br />

atestam a passagem do tempo e do fausto, ela seria alegoria <strong>da</strong> própria<br />

tradição, <strong>de</strong> uma “aristocracia” rural <strong>de</strong> província que, incapaz <strong>de</strong> acompanhar<br />

as modificações trazi<strong>da</strong>s pela era Vargas e pela nova configuração mundial do<br />

capitalismo, entrou em <strong>de</strong>cadência. Não tendo mais como sobreviver sozinha e<br />

já não conseguindo reter suas vítimas próximas <strong>de</strong> si, agoniza na solidão e na<br />

incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que a cerca – acaba enlouquecendo.<br />

Ao invés <strong>de</strong> ser, então, o indivíduo contra o grupo social, Angélica indicaria a<br />

<strong>de</strong>rroca<strong>da</strong> <strong>da</strong> própria socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que representa.<br />

68 Lembro que essa “dissociação do eu”, associa<strong>da</strong> à loucura, esteve presente também em A Cor<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

Prata, embora com tratamento diferenciado.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!