13.05.2013 Views

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

idéias” o que, segundo Cafezeiro, significava que ele escrevia peças com<br />

“conteúdo filosófico”, ou seja, “que apresentava discussão em torno <strong>de</strong> um<br />

tema e não [...] que <strong>de</strong>screvesse situações ou circunstâncias” (1996:447).<br />

Tal como naquela peça, Deus lhe pague traz a figura <strong>de</strong> um Mendigo e<br />

<strong>de</strong> Outro (mendigo) que conversam à <strong>por</strong>ta <strong>de</strong> uma igreja 19 . O primeiro fala <strong>de</strong><br />

suas idéias sobre a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e o dinheiro e as falas levaram a Crítica a<br />

associar Deus lhe pague às idéias marxistas. Vale observar que a supressão<br />

<strong>da</strong>s falas do Outro não afeta o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> idéia exposta pelo Mendigo.<br />

MENDIGO: Antigamente, tudo era <strong>de</strong> todos. Ninguém era dono <strong>da</strong><br />

terra e a água não pertencia a ninguém. Hoje, ca<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>ço <strong>de</strong> terra<br />

tem um dono e ca<strong>da</strong> nascente <strong>de</strong> água pertence a alguém. Quem foi<br />

que <strong>de</strong>u?<br />

(...)<br />

MENDIGO: Não foi ninguém. Os espertalhões, no princípio do<br />

mundo, apropriaram-se <strong>da</strong>s coisas e inventaram a Justiça e a<br />

Polícia...<br />

(...)<br />

MENDIGO: Para pren<strong>de</strong>r e processar os que vieram <strong>de</strong>pois, Hoje,<br />

quem se apropriar <strong>da</strong>s coisas, é processado pelo crime <strong>de</strong><br />

apropriação indébita. Por quê? Porque eles resolveram que as coisas<br />

pertencessem a eles...<br />

(...)<br />

MENDIGO: (...) Naquele tempo não havia leis. Depois que um<br />

pequeno grupo dividiu tudo entre si, é que se fizeram os Códigos.<br />

Então, passou a ser crime... para os outros, o que para eles era uma<br />

coisa natural. (CAMARGO, 1967: 28-9)<br />

A peça prossegue na mesma dinâmica <strong>de</strong>, através <strong>de</strong> um diálogo<br />

simulado, ex<strong>por</strong> sua tese. O tom do discurso permite ao autor criticar a<br />

organização social <strong>de</strong> seu tempo focalizando a hipocrisia interesseira <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong>:<br />

MENDIGO: (...) O mendigo é, neste momento, uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

social. Quando eles dizem: “Quem dá os pobres, empresta a Deus”,<br />

confessam que não dão aos pobres, mas emprestam a Deus... Não<br />

há generosi<strong>da</strong><strong>de</strong> na esmola: há interesse. Os pecadores dão, para<br />

19 A peça nasceu <strong>de</strong>pois que o autor, visitando amigos em São Paulo, observou que a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> estava cheia<br />

<strong>de</strong> mendigos e que, <strong>de</strong>ntre eles, havia alguns que também esmolavam no Rio. Curioso, abordou um <strong>de</strong>les<br />

que lhe explicou que o interventor fe<strong>de</strong>ral paulista havia baixado um <strong>de</strong>creto <strong>de</strong>terminando que a polícia<br />

tratasse bem aos mendigos, lhes dispensasse atenção e assistência. O mendigo ain<strong>da</strong> teceu um paralelo<br />

entre os mendigos paulistas e cariocas afirmando que os primeiros eram ingênuos e não sabiam como<br />

comover as pessoas, enquanto os cariocas, falando <strong>da</strong> fome, alcançavam melhores resultados. E, graças a<br />

isso, ele mesmo já havia acumulado uma pequena fortuna. Cf. OGAWA, 1972:52.<br />

33

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!