Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
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Em cena, as mulheres relembram a “crise” <strong>de</strong> Marcos, motivo <strong>de</strong> sua<br />
internação: Ouvi <strong>da</strong> esca<strong>da</strong> as panca<strong>da</strong>s que ele <strong>da</strong>va na <strong>por</strong>ta. Tive um<br />
sobressalto, custei tanto a reconhecer a voz! Era uma voz inteiramente<br />
transforma<strong>da</strong>, lembra-se? (CARDOSO, 1973:6) perguntará Isabel a Augusta.<br />
Ela confirmará que a voz era <strong>de</strong> Silas sugerindo que Marcos estava “possuído”<br />
pelo morto: escutei a voz <strong>de</strong> Silas, a voz do que tinha morrido (...) Deste<br />
mesmo lugar em que estou agora, ouvi aquela voz estranha, sobrenatural,<br />
gritando que o perdoássemos... (CARDOSO, 1973:9).<br />
É uma leve insinuação, no drama, do maravilhoso 36 , reali<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual<br />
Augusta crê e firma suas convicções, <strong>de</strong>sautorizando a opinião médica (a<br />
palavra científica) sobre a doença do Marcos: Mas o que a ciência sabe?<br />
Quando um grão <strong>de</strong> sobrenatural se introduz na engrenagem <strong>da</strong>s coisas, todos<br />
os livros <strong>de</strong> ciência do mundo não bastam para fazê-la an<strong>da</strong>r <strong>de</strong> novo. A<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é a que eu ouvi e não a que disseram (CARDOSO, 1973:10).<br />
Nesse momento, <strong>de</strong>sven<strong>da</strong>-se a terceira <strong>clausura</strong> do texto. O espectador<br />
<strong>de</strong>scobre que, durante sua crise, Marcos chamava <strong>por</strong> Lisa (viúva <strong>de</strong> Silas) e<br />
confundia sua imagem com todos que <strong>de</strong>le se aproximavam. A cunha<strong>da</strong><br />
assistiu à parti<strong>da</strong> do rapaz para o sanatório e Augusta acredita que nesta<br />
ocasião ela reconheceu também a voz e que ela também tinha alguma coisa a<br />
perdoar ao morto (CARDOSO, 1973:11). Des<strong>de</strong> então, Lisa vivia reclusa na<br />
casa <strong>da</strong>s cunha<strong>da</strong>s ocupando um quarto no fundo do corredor.<br />
Portanto, a partir do diálogo <strong>da</strong>s irmãs, o espectador toma conhecimento<br />
dos caracteres <strong>de</strong> Augusta, Isabel, Lisa e Silas, através <strong>da</strong> rememoração; fica<br />
sabendo do motivo do afastamento <strong>de</strong> Marcos; percebe o rancor <strong>de</strong> Augusta<br />
pelo morto, embora o núcleo do conflito entre ela e Silas não chegue a ser<br />
inteiramente explicitado. O drama justifica todos os com<strong>por</strong>tamentos do<br />
presente pelo que aconteceu no passado e esse é o tempo predominante para<br />
aquelas vi<strong>da</strong>s.<br />
36 Segundo o Dicionário <strong>de</strong> termos literários, o maravilhoso, sobretudo o “maravilhoso subjetivo”,<br />
caracteriza-se “pelas alucinações, ou seja, alterações profun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> concreta <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s pela<br />
psicologia enferma <strong>da</strong>s personagens, como, <strong>por</strong> exemplo, a visão <strong>de</strong> fantasmas (...)” (MOISÉS, 2002:<br />
320)<br />
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