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Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

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<strong>por</strong> cinco anos como o amigo e só abandona o quarto quando ele volta para<br />

casa.<br />

As personagens não têm, pois, suas i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s maduramente<br />

constituí<strong>da</strong>s e o sistema familiar parece um jogo <strong>de</strong> espelhos em que um é<br />

reflexo do outro. Esse jogo precisa ser mantido para não “<strong>de</strong>saparecerem” e<br />

isso se materializa na linguagem: como se po<strong>de</strong>rá observar através <strong>de</strong> algumas<br />

<strong>da</strong>s notas <strong>de</strong> ro<strong>da</strong>pé, as personagens redizem o que outras já disseram, como<br />

se nenhuma tivesse um discurso próprio – e como se, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, existisse<br />

apenas um único discurso circular. Não po<strong>de</strong>ndo seguir com a vi<strong>da</strong> em frente -<br />

<strong>por</strong>que não alcançam constituir uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e assumir uma vi<strong>da</strong> próprias,<br />

<strong>de</strong>staca<strong>da</strong>s <strong>da</strong> massa familiar informe – sobra-lhes reviver sempre as mesmas<br />

coisas e redizer sempre as mesmas impressões. A volta <strong>de</strong> Marcos abala essa<br />

“circulari<strong>da</strong><strong>de</strong>” <strong>por</strong>que introduz um “estranho”, que estivera ausente nos últimos<br />

anos. Ele é o elemento que perturba o equilibro (instável) <strong>da</strong> casa, obriga a<br />

rememoração e força outras palavras a virem à tona. Daí ele constituir um novo<br />

oponente para Augusta, que tenta anulá-lo.<br />

Voltando à cena, Lisa acaba revelando o que antes negara: que amava<br />

Marcos e que se tinha <strong>de</strong>dicado a viver <strong>da</strong> lembrança <strong>de</strong>le nos últimos cinco<br />

anos. Emocionado, o rapaz lamenta <strong>por</strong>que essa revelação é um sol que nasce<br />

muito tar<strong>de</strong> (CARDOSO, 1973:28) para eles e a convi<strong>da</strong> a partir. A cunha<strong>da</strong><br />

adia a resposta e <strong>de</strong>ixa a cena.<br />

A saí<strong>da</strong> <strong>de</strong> Lisa é segui<strong>da</strong> pela entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> Augusta, que também <strong>de</strong>sce<br />

as esca<strong>da</strong>s. A sala é um inferno on<strong>de</strong> os familiares são obrigados a <strong>de</strong>scer<br />

para enfrentarem seus tormentos e os encontros servem para <strong>de</strong>vassar os<br />

segredos enterrados há tempos. Ela repreen<strong>de</strong> o rapaz <strong>por</strong> estar “abusando <strong>da</strong><br />

saú<strong>de</strong>” e recomen<strong>da</strong>-lhe repouso lembrando as or<strong>de</strong>ns médicas. Marcos lhe<br />

pergunta se não seria conveniente mu<strong>da</strong>rem <strong>de</strong> casa e ela retruca:<br />

Deixarmos essa casa? Acho que não teria coragem para isto,<br />

Marcos. Aqui vivi to<strong>da</strong> a minha vi<strong>da</strong> e aqui quero morrer.<br />

(...)<br />

(Ar<strong>de</strong>nte) Esta casa é o meu sangue, tudo o que existe <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la<br />

tem uma significação particular para mim. (CARDOSO, 1973:30-31)<br />

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