Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

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Gustavo Dória, analisando a atuação de Ziembinski no grupo “Os Comediantes”, comenta o cuidado na escolha de originais em que o próprio artista polonês pudesse atuar e a dificuldade de escolher autores nacionais (DÓRIA, 1975: 87). É sabido que, para a temporada de 1943 deste grupo, duas peças foram selecionadas: O Escravo e Vestido de noiva, a direção desta última cabendo a Ziembinski. Luíza Barreto Leite esclareceu, numa entrevista a Yan Michalski e Filomena Chirardia, que o “desinteresse” de Ziembinski pelo teatro cardosiano tinha raízes na postura do Autor, diferente da de Nelson Rodrigues: O que aconteceu com “Vestido de noiva” é que a peça era do Nelson Rodrigues mas Ziembinski modificou totalmente [...] Ele mudou os diálogos inclusive, cortou aqueles diálogos incisivos [...] Ziembinski era apaixonado pelo “O escravo”, mas ele quis mudar inclusive a contextura dramática, e isso ele mudava sempre mas ele quis mudar a filosofia da peça, quis fazer um incesto entre dois irmãos [...] E aí Lúcio se negou completamente, e Ziembinski se entregou de corpo e alma a Nelson Rodrigues que deixou ele modificar, cortar. (Apud: SILVA, 2000: 21) A peça ganharia a direção de Adacto Filho e cenários de Santa Rosa. Seu elenco apresentou Luiza Barreto Leite Sans (Augusta), Nadyr Braga (Izabel), Maria Barreto Leite (criada), Walter Amêndola (Marcos) e Lisette Buono (Lisa). CARELLI (1988:54) informa que O Escravo foi encenado também por um grupo de estudantes do Paraná e de Santa Catarina e que, em 1945, foi publicado por Zélio Valverde. Há, também, uma publicação pelo Serviço Nacional do Teatro de 1973, que é a referência utilizada nesse estudo. Treze anos depois da estréia, o Diário da Noite, em 17 de dezembro de 1956 35 , anuncia a exibição de uma adaptação feita por Sérgio Brito no Grande Teatro da Tv-Tupi. 4.1.2- O texto dramático 35 Arquivo do Autor, Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. 70
O drama, composto de três atos, inicia-se numa noite de tempestade. A rubrica anuncia que o espaço é Uma velha sala de aspecto sombrio. No fundo, uma escada que conduz ao andar superior. (CARDOSO, 1973:1) Todos os três atos da peça ocorrerão nesta sala de uma casa velha, com indícios de ruína econômica, localizada numa miserável aldeia (CARDOSO, 1973:8). Em cena, Augusta desce as escadas. Ela é descrita como uma mulher envelhecida e traz nas mãos uma lamparina. Junta-se a ela Isabel, a irmã mais nova que se veste com roupas fora de uso e tem o aspecto doentio. A primeira fala que Augusta lhe dirige é uma repreensão (Como é que tem coragem para sair com um tempo deste?) e marcará o tom da relação entre as duas. Ela é, claramente, quem cuida e dirige a irmã que, por sua vez, teme desagradá-la. Augusta repreende-a por ter deixado o quarto e afirma que a escutou tossir por toda a noite. A irmã responde que foi um simples resfriado, que se sente muito melhor e confessa: Se você soubesse a vontade que tenho de sair, de passear e conversar com os outros. Às vezes estou quieta na minha cama, imaginando coisas, quando vejo um raio de sol... poeira... Guta, a vida é tão bonita, porque é que a gente... (CARDOSO, 1973:2) Explicita-se aqui a primeira clausura do drama: o quarto em que Isabel se vê encerrada porque Augusta insiste que está doente e que lhe veda o convívio social. Às palavras da irmã, ela responde secamente: Você é uma criança, nunca foi outra coisa senão uma criança. Essa exaltação é uma conseqüência da sua doença, um sintoma de febre (CARDOSO, 1973:2). Ao nomeá-la assim, Augusta a destitui de maturidade e a condena a uma dependência infantil dos seus cuidados. Como Isabel protestasse que não tinha febre há um mês, a irmã retruca: Que sabe você a este respeito? Eu, que consulto o termômetro todos os dias, sei que a febre não se foi embora, que os seus olhos brilham, que a sua respiração é ofegante. Repito, você não devia ter descido numa noite dessas! (CARDOSO, 1973:2) É visível, nessa situação, que o domínio é exercido por meio da fraqueza que se incute no outro assegurando o controle do mais forte. Dependente, Isabel não se constitui sujeito de suas ações, mas um objeto dos desejos de 71
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