Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
parti<strong>da</strong> para enfatizar seu retorno. E a sutileza <strong>de</strong>ssas referências serve muito<br />
mais ao estilo romanesco, cuja leitura calma e silenciosa pro<strong>por</strong>ciona muito<br />
maior atenção, que ao teatro e à audição <strong>da</strong>s falas, nem sempre segui<strong>da</strong>s com<br />
a mesma concentração.<br />
153<br />
Por outro lado, consi<strong>de</strong>ro que a melhor realização <strong>dramática</strong> <strong>de</strong> <strong>Lúcio</strong><br />
<strong>Cardoso</strong> foi Angélica. Apesar <strong>da</strong>s falhas pontua<strong>da</strong>s, esse foi o drama que<br />
menos se preocupou com a son<strong>da</strong>gem interior <strong>de</strong> sua protagonista. A primeira<br />
cena, embora traga dois expedientes pouco usuais do drama, não o<br />
comprometem: o passado trazido à cena pela conversa <strong>da</strong>s vizinhas que, no<br />
entanto, soa muito natural e, sendo breve, não con<strong>de</strong>na a cena à rememoração<br />
característica <strong>de</strong> O Escravo ou A Cor<strong>da</strong> <strong>de</strong> Prata; e o monólogo <strong>de</strong> Angélica<br />
com o cadáver <strong>de</strong> sua última vítima, também breve 78 , que torna explícito tanto<br />
seu vampirismo quanto sua vai<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>, motivos <strong>de</strong> suas<br />
ações.<br />
O segundo e o terceiro atos indiciam que a peça abarca uma dimensão<br />
tem<strong>por</strong>al extensa, diferente <strong>de</strong> O Escravo e A Cor<strong>da</strong> <strong>de</strong> Prata que se passam<br />
em um único dia. As cenas trazem diálogos extensos sobre outros momentos<br />
(o interesse antigo do capataz pela jovem; as outras meninas que morreram na<br />
casa; os cui<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> Angélica na doença <strong>de</strong> Lídia) que não o presente <strong>da</strong><br />
cena, <strong>de</strong>ixando implícito um eu-épico anunciador <strong>de</strong> que se passaram dias.<br />
Mas Angélica ain<strong>da</strong> consegue um resultado melhor que o <strong>de</strong> O Filho Pródigo<br />
que, tendo uma dimensão tem<strong>por</strong>al muito gran<strong>de</strong>, não só <strong>de</strong>ixa implícita a<br />
passagem dos dias como a representa no palco no ato final, recorrendo muito<br />
mais a esse expediente típico <strong>da</strong> forma romanesca – ou caracterizador <strong>de</strong> um<br />
“eu-épico”, para continuar a utilizar a nomenclatura <strong>de</strong> Szondi já <strong>de</strong>fini<strong>da</strong><br />
anteriormente.<br />
A linguagem utiliza<strong>da</strong> neste último drama se marca pela ironia que,<br />
como já foi assinalado anteriormente, perpassa vários níveis: o discurso <strong>da</strong>s<br />
vizinhas; o nome <strong>da</strong> protagonista; sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> anjo <strong>de</strong>caído, que se<br />
78 É ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que, embora o monólogo não seja o procedimento característico do drama, a produção<br />
teatral brasileira assinala em 1950, <strong>por</strong>tanto na mesma época <strong>da</strong> encenação <strong>de</strong> Angélica, a apresentação<br />
<strong>de</strong> As mãos <strong>de</strong> Eurídice, <strong>de</strong> Pedro Bloch. A peça, <strong>de</strong> um só ator, constitui-se um extenso monólogo em<br />
dois atos e, segundo seu autor, contou com “quinze mil representações legais e outras tantas clan<strong>de</strong>stinas<br />
em todo o mundo.” (BLOCH, 1963:11)