Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
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(CARDOSO, s/d:34), pelos objetos nos quais há “alguma coisa humana, on<strong>de</strong><br />
possamos <strong>de</strong>ixar um pouco do nosso calor” (CARDOSO, s/d:32) e, a julgar<br />
pelas palavras <strong>da</strong> mulher <strong>de</strong> preto, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ter filhos e um casamento<br />
estável, mas o que se concebe como relacionamento tem um caráter restritivo<br />
(mais ain<strong>da</strong> para as mulheres <strong>da</strong> época). Por outro lado, há o <strong>de</strong>sejo <strong>da</strong><br />
liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> não se submeter a convenções, <strong>de</strong> não assumir o papel que a<br />
mãe <strong>de</strong>sempenhou, em suma, <strong>de</strong> não reprimir os <strong>de</strong>sejos 55 que seu duplo<br />
expressa.<br />
109<br />
A mulher <strong>de</strong> preto esten<strong>de</strong>-lhe uma cor<strong>da</strong> <strong>de</strong> prata. Nesse momento,<br />
Renato sai <strong>de</strong> seu tor<strong>por</strong> e olha Gina, que conversa sozinha. A mulher<br />
convence-a, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitas recusas, a usar a cor<strong>da</strong> e, nesse momento, o<br />
marido interrompe a cena com uma exclamação sufoca<strong>da</strong>. A esposa, então,<br />
disfarça, fingindo naturali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
O <strong>de</strong>sfecho <strong>de</strong>ixa claro que a busca <strong>de</strong> Gina terminou em frio e<br />
escuridão. Ela se acerca <strong>de</strong> Renato, contorna seu horror (“Você está louca,<br />
Gina, está realmente louca!” – CARDOSO, s/d:68) e, seduzindo-o, consegue<br />
que ele adormeça em seus joelhos e aproveita para enforcá-lo. A mulher <strong>de</strong><br />
preto reaparece e Gina constata:<br />
Sim, eu o matei.(PAUSA) E no entanto, eu o amava. Renato, tudo o<br />
que eu compreendia neste mundo, era (sic) os seus olhos que<br />
<strong>de</strong>cifravam para mim. Agora não sei... não entendo... como pu<strong>de</strong> ir<br />
tão longe... com esta cor<strong>da</strong>... eu, que o amava tanto! (CARDOSO,<br />
s/d:75)<br />
E a mulher lhe diz que isso é mentira, que ela nunca o amou.<br />
Prossegue dizendo-lhe que é uma assassina, que tem as mãos mancha<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />
sangue. Entram em cena dr. Victor e Júlia “que se colocam no palco <strong>de</strong> modo a<br />
formar um extremo com a luz ver<strong>de</strong>. No centro, entre as duas clari<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />
permanece Gina.” (CARDOSO, s/d:75) O médico e a mulher chamarão <strong>por</strong><br />
Gina: o primeiro promete-lhe cui<strong>da</strong>r <strong>de</strong> sua saú<strong>de</strong>, a segun<strong>da</strong> afirma-lhe que<br />
não há outro lugar para ela a não ser a seu lado: “Você não ousará ir com ele,<br />
o mundo em que vive já não lhe pertence. Venha comigo, formaremos uma<br />
55 Os leitores <strong>de</strong> Clarice Lispector vão reconhecer <strong>de</strong>sejo semelhante em protagonistas como Ana (Amor)<br />
ou Laura (Imitação <strong>da</strong> Rosa) (LISPECTOR, 1991).