Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O drama, composto <strong>de</strong> três atos, inicia-se numa noite <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong>. A<br />
rubrica anuncia que o espaço é Uma velha sala <strong>de</strong> aspecto sombrio. No fundo,<br />
uma esca<strong>da</strong> que conduz ao an<strong>da</strong>r superior. (CARDOSO, 1973:1) Todos os três<br />
atos <strong>da</strong> peça ocorrerão nesta sala <strong>de</strong> uma casa velha, com indícios <strong>de</strong> ruína<br />
econômica, localiza<strong>da</strong> numa miserável al<strong>de</strong>ia (CARDOSO, 1973:8).<br />
Em cena, Augusta <strong>de</strong>sce as esca<strong>da</strong>s. Ela é <strong>de</strong>scrita como uma mulher<br />
envelheci<strong>da</strong> e traz nas mãos uma lamparina. Junta-se a ela Isabel, a irmã mais<br />
nova que se veste com roupas fora <strong>de</strong> uso e tem o aspecto doentio. A primeira<br />
fala que Augusta lhe dirige é uma repreensão (Como é que tem coragem para<br />
sair com um tempo <strong>de</strong>ste?) e marcará o tom <strong>da</strong> relação entre as duas. Ela é,<br />
claramente, quem cui<strong>da</strong> e dirige a irmã que, <strong>por</strong> sua vez, teme <strong>de</strong>sagradá-la.<br />
Augusta repreen<strong>de</strong>-a <strong>por</strong> ter <strong>de</strong>ixado o quarto e afirma que a escutou tossir <strong>por</strong><br />
to<strong>da</strong> a noite. A irmã respon<strong>de</strong> que foi um simples resfriado, que se sente muito<br />
melhor e confessa:<br />
Se você soubesse a vonta<strong>de</strong> que tenho <strong>de</strong> sair, <strong>de</strong> passear e<br />
conversar com os outros. Às vezes estou quieta na minha cama,<br />
imaginando coisas, quando vejo um raio <strong>de</strong> sol... poeira... Guta, a<br />
vi<strong>da</strong> é tão bonita, <strong>por</strong>que é que a gente... (CARDOSO, 1973:2)<br />
Explicita-se aqui a primeira <strong>clausura</strong> do drama: o quarto em que Isabel<br />
se vê encerra<strong>da</strong> <strong>por</strong>que Augusta insiste que está doente e que lhe ve<strong>da</strong> o<br />
convívio social. Às palavras <strong>da</strong> irmã, ela respon<strong>de</strong> secamente: Você é uma<br />
criança, nunca foi outra coisa senão uma criança. Essa exaltação é uma<br />
conseqüência <strong>da</strong> sua doença, um sintoma <strong>de</strong> febre (CARDOSO, 1973:2). Ao<br />
nomeá-la assim, Augusta a <strong>de</strong>stitui <strong>de</strong> maturi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a con<strong>de</strong>na a uma<br />
<strong>de</strong>pendência infantil dos seus cui<strong>da</strong>dos. Como Isabel protestasse que não tinha<br />
febre há um mês, a irmã retruca:<br />
Que sabe você a este respeito? Eu, que consulto o termômetro todos<br />
os dias, sei que a febre não se foi embora, que os seus olhos<br />
brilham, que a sua respiração é ofegante. Repito, você não <strong>de</strong>via ter<br />
<strong>de</strong>scido numa noite <strong>de</strong>ssas! (CARDOSO, 1973:2)<br />
É visível, nessa situação, que o domínio é exercido <strong>por</strong> meio <strong>da</strong> fraqueza<br />
que se incute no outro assegurando o controle do mais forte. Depen<strong>de</strong>nte,<br />
Isabel não se constitui sujeito <strong>de</strong> suas ações, mas um objeto dos <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong><br />
71