Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
se mostrará o que acontece <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> parti<strong>da</strong> <strong>de</strong> Assur e que<br />
vivências mu<strong>da</strong>ram sua disposição íntima <strong>de</strong> tal forma que ele <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> voltar e<br />
aceitar tudo aquilo que repudiara em seu passado. Os acontecimentos em si<br />
não seduzem o dramaturgo, apenas o efeito <strong>de</strong>les na vi<strong>da</strong> íntima <strong>da</strong>s<br />
personagens ocupa-lhe a atenção.<br />
143<br />
Nesse sentido, Angélica é diferente. Ali, não é a vi<strong>da</strong> íntima <strong>da</strong><br />
protagonista o que interessa prioritariamente, mas a ação pre<strong>da</strong>tória (frustra<strong>da</strong>)<br />
que empreen<strong>de</strong> para manter-se jovem e bela. Po<strong>de</strong>-se acusar algum exagero<br />
no suicídio final ou inverossimilhança na parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> emprega<strong>da</strong>, mas, sem<br />
dúvi<strong>da</strong>, era uma peça que se afastava do viés <strong>de</strong> acentuado intimismo <strong>da</strong>s<br />
obras anteriores.<br />
Em segundo lugar, é preciso consi<strong>de</strong>rar que, ao optar <strong>por</strong> representar<br />
fatos psíquicos, em geral eles terão sua raiz no passado e não no momento em<br />
que o presente <strong>da</strong> peça se situa. A obra precisará <strong>de</strong>senvolver a “revelação<br />
<strong>dramática</strong> <strong>de</strong> um passado silencioso e imerso no íntimo, ou seja, <strong>de</strong> um<br />
passado que escapa à abertura <strong>dramática</strong>” (SZONDI:2001:67). E, não raro, o<br />
tema não será na<strong>da</strong> do que se passou, mas o próprio passado. E é preciso<br />
consi<strong>de</strong>rar que, to<strong>da</strong> vez que o dramaturgo resolve fazer do passado o tempo<br />
predominante <strong>da</strong> cena <strong>dramática</strong> através <strong>da</strong> rememoração, o diálogo sofre as<br />
conseqüências <strong>de</strong>ssa escolha tornando-se inviável mantê-lo em sua forma<br />
intersubjetiva (que correspon<strong>de</strong> ao mo<strong>de</strong>lo original do drama).<br />
É a situação em que se encontram Marcos e sua família, em O Escravo.<br />
No presente, nenhum <strong>de</strong>les possui qualquer coisa que justifique uma ação<br />
<strong>dramática</strong>. Na noite chuvosa e na madruga<strong>da</strong> que a segue, os motivos são<br />
retirados <strong>da</strong> alma <strong>da</strong>s personagens para serem trazidos à cena e, nesse<br />
processo, interessa menos o que acontece no presente (o retorno <strong>de</strong> Marcos à<br />
casa, a constatação dos sentimentos <strong>da</strong> cunha<strong>da</strong>, suas discussões com a irmã)<br />
do o que se viveu no passado. Os acontecimentos não interessam em função<br />
<strong>de</strong>les mesmos, mas no que ocultam, no que se encontra atrás ou entre eles. O<br />
rancor e a culpa <strong>de</strong> que as personagens são prisioneiras, além <strong>de</strong><br />
impossibilitarem qualquer relação intersubjetiva (tanto entre elas quanto com o<br />
mundo externo), limitam suas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação (já foi visto como