Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
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E para isso não há nenhum remédio momentâneo. Temos <strong>de</strong> viver<br />
até o âmago a crassa época <strong>de</strong> egoísmo e barbárie que nos foi<br />
<strong>de</strong>stina<strong>da</strong>. (...) (CARDOSO, 1970:166)<br />
As palavras do Autor mineiro remetem ao impasse, já apontado <strong>por</strong><br />
Bueno (2001) como característica dos romances <strong>de</strong> 30.<br />
Na visão religiosa, o mundo tal como se apresentava era um mundo sem<br />
Deus, on<strong>de</strong> tudo é possível (nessa premissa está o gran<strong>de</strong> tema <strong>de</strong> <strong>Lúcio</strong> 7 e o<br />
universo on<strong>de</strong> circulam suas criaturas) e on<strong>de</strong>, com o abandono <strong>da</strong> cari<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
sobra a exploração brutal do homem sobre o homem. E, se para alguns, a<br />
evangelização seria a promotora <strong>da</strong> transformação <strong>da</strong>s consciências, houve<br />
aqueles que, como Jackson <strong>de</strong> Figueiredo, misturaram “a questão espiritual<br />
com a <strong>de</strong> uma pressenti<strong>da</strong> crise <strong>de</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> que pedia a restauração <strong>de</strong> uma<br />
hierarquia rígi<strong>da</strong> sob uma li<strong>de</strong>rança forte” (BUENO, 2001:253). No Diário<br />
Completo, <strong>Lúcio</strong> <strong>Cardoso</strong>, anota, cerca <strong>de</strong> duas déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong>pois, a 04 <strong>de</strong> março<br />
<strong>de</strong> 1951, ecos <strong>de</strong>ssa idéia:<br />
Estamos numa época em que temos necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos nossos<br />
sentimentos extremos; precisamos <strong>de</strong> nossas quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s viris e <strong>de</strong><br />
nosso fascínio pela tormenta. A <strong>de</strong>mocracia é a forma <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que<br />
nega os heróis, <strong>de</strong> que este mundo tanto carece, para exaltar os<br />
patriarcas, que é o começo <strong>de</strong> um gênero pastoril e <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte.<br />
(CARDOSO, 1970:159)<br />
A religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> católica <strong>de</strong> <strong>Lúcio</strong> se tingia <strong>de</strong> cores messiânicas 8 . Lendo<br />
seu Diário, é perceptível o anseio <strong>por</strong> uma calami<strong>da</strong><strong>de</strong> que mu<strong>da</strong>ria o curso <strong>da</strong><br />
História 9 :<br />
7 Uma preocupação que ecoará em to<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong>. É a gran<strong>de</strong> angústia do protagonista <strong>de</strong> A Luz no<br />
Subsolo e está registra<strong>da</strong> também no seu Diário, em 26/08/1949: “Se Deus não existisse, não<br />
chegaríamos apenas a conclusão <strong>de</strong> que tudo seria permitido. A vi<strong>da</strong> seria simplesmente IMPOSSÍVEL, o<br />
peso do na<strong>da</strong> nos esmagaria com sua existência <strong>de</strong> ferro. (...) A existência <strong>de</strong> Deus, mesmo manti<strong>da</strong> no<br />
subconsciente ou apenas pressenti<strong>da</strong>, é o que garante a chama <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> no coração <strong>de</strong> quase todos os<br />
homens.” (CARDOSO, 1970:10 – grifos do autor).<br />
8 <strong>Lúcio</strong> não era o único. Wilson Martins comenta, no sexto volume <strong>de</strong> sua História <strong>da</strong> Inteligência<br />
Brasileira, a recepção <strong>da</strong>s obras <strong>de</strong> Plínio Salgado e Jorge Amado e a forma equivoca<strong>da</strong> como foram<br />
sau<strong>da</strong>dos (o primeiro como um livro comunista e o segundo como uma obra anticomunista), anotando:<br />
“Isso dá idéia, <strong>por</strong> um lado, <strong>da</strong> <strong>de</strong>sorientação i<strong>de</strong>ológica do momento, <strong>por</strong> outro, <strong>da</strong> ansie<strong>da</strong><strong>de</strong> com que o<br />
país esperava um Messias – tanto na política quanto nas letras.” (MARTINS, 1978:512)<br />
9 Michael Löwy explica que, para os ju<strong>de</strong>us, o mundo era percebido como uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> histórica cuja<br />
<strong>de</strong>stinação era ser substituí<strong>da</strong> pela or<strong>de</strong>m divina e, na tradição religiosa ju<strong>da</strong>ica, a vin<strong>da</strong> do Messias é um<br />
acontecimento cataclísmico. Cf. Löwy, 1989. O catolicismo cardosiano compartilha <strong>de</strong>ssa mesma crença.<br />
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