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Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

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eali<strong>da</strong><strong>de</strong> empírica: o morro carioca <strong>de</strong> Salgueiro só conhece a chuva, os<br />

dramas <strong>de</strong> Pedro e Ma<strong>da</strong>lena são vividos numa ininterrupta noite e tanto o<br />

tempo quanto o espaço <strong>de</strong> O Filho Pródigo remontam à dimensão mítica. Não<br />

ficam estranhas à sua obra, igualmente, interferências sutis do fantástico, já<br />

assinala<strong>da</strong>s, <strong>por</strong> exemplo, na “possessão” <strong>de</strong> Marcos <strong>por</strong> Silas, na presença <strong>da</strong><br />

mulher <strong>de</strong> preto (ou do mendigo resignado <strong>de</strong> A Luz no Subsolo) ou no caráter<br />

vampiresco <strong>de</strong> Angélica.<br />

163<br />

O interesse cardosiano está centrado no mundo interno do homem<br />

isolado e encerrado em si mesmo, on<strong>de</strong> o afastamento passa a ser vivido como<br />

liber<strong>da</strong><strong>de</strong>. É necessário a estes tipos <strong>de</strong> exceção, a estes “gauches”, o<br />

isolamento em relação às outras pessoas <strong>por</strong>que o mundo cotidiano se lhes<br />

apresenta <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> sentido e perigoso para suas individuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s:<br />

De novo <strong>de</strong>senhou-se aos olhos do homem a imagem <strong>da</strong> menina que<br />

ela <strong>de</strong>via ter sido. Como era perfeita a visão <strong>de</strong>ssa rapariga magra,<br />

<strong>de</strong> olhos inchados, <strong>de</strong> tranças longas e modos <strong>de</strong>sajeitados! Ele a via<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong>nha<strong>da</strong> <strong>da</strong>s companheiras, tentando ajeitar ao espelho os seus<br />

pobres cabelos rebel<strong>de</strong>s. E ela <strong>de</strong>via ter crescido assim, <strong>de</strong>via ter<br />

amado alguém em silêncio, <strong>de</strong>via ter sofrido e finalmente aprendido a<br />

ser cruel. (CARDOSO, 1968:171)<br />

O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> dissolução, já assinalado, tem como contraparte o medo do<br />

“apagamento”, <strong>da</strong> “morte” psíquica. Daí a agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, reação tão comum<br />

aos seres cardosianos, ante qualquer ameaça àquilo que construíram e que<br />

conhecem como individuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Esse medo assume a forma <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong><br />

absoluta que procura arrastar suas vítimas para além dos limites normais <strong>da</strong><br />

humani<strong>da</strong><strong>de</strong>:<br />

(...) Você me seguirá como um escravo. Quando estiver sozinho,<br />

lembrar-se-á <strong>de</strong> que estou presente à elaboração dos seus<br />

pensamentos mais íntimos. Se estiver dormindo, surgirei implacável<br />

nos seus sonhos. Ca<strong>da</strong> gesto que fizer, ca<strong>da</strong> emoção que germinar<br />

no seu coração, <strong>de</strong> tudo eu saberei, para mim a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> inteira<br />

estará sempre grava<strong>da</strong> nos seus olhos. (CARDOSO, 1973:54)<br />

(...) O que as palavras <strong>da</strong>quela mulher revelavam era o mais animal<br />

dos <strong>de</strong>sejos, a mais violenta e a mais inútil <strong>da</strong>s paixões, esse<br />

absurdo e tenebroso <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> posse, essa vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir e<br />

aniquilar, que nos habita como o mais diabólico sinal <strong>da</strong> natureza<br />

humana. (CARDOSO, 1968:225)

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