Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
126<br />
exilado às bor<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s praias estrangeiras? (NASCIMENTO, 1961:<br />
71)<br />
ASSUR: (colocando a mão no ombro do Pai e com a outra<br />
apontando a paisagem) Eu lavrarei os campos, Pai. Com o meu suor,<br />
molharei a terra <strong>de</strong> lado a lado. Irei até à ribeira, <strong>de</strong>scerei a encosta<br />
com o meu arado, atingirei até mesmo as planícies distantes on<strong>de</strong><br />
nunca ninguém vai. E quando nascer outra manhã, e outro vento<br />
soprar, direi aos que nunca partiram que o mar é como uma gran<strong>de</strong><br />
rosa que se aperta ao peito.<br />
(...)<br />
E eu direi que ela é ver<strong>de</strong> e contém todos os perfumes que matam.<br />
Mas que a noite também é uma rosa, uma quente rosa que nos fita<br />
com seus olhos <strong>de</strong> sombra. Então eles olharão para o alto, e <strong>de</strong><br />
joelhos sau<strong>da</strong>rão a rosa negra que é a nossa eterna companheira.<br />
(NASCIMENTO, 1961: 72)<br />
Em relação aos outros dramas anteriormente apresentados, O Filho<br />
Pródigo apresenta uma modificação. Nas duas peças anteriores, havia uma<br />
oposição entre um indivíduo e o grupo a que pertencia: em O Escravo, Marcos<br />
volta-se contra a or<strong>de</strong>m familiar e, incapaz <strong>de</strong> escapar <strong>de</strong>la, suici<strong>da</strong>-se; em A<br />
Cor<strong>da</strong> <strong>de</strong> Prata, Gina revolta-se contra o casamento e o marido, mata-o e<br />
enlouquece. Mas, em O Filho Pródigo, se a saí<strong>da</strong> <strong>de</strong> Assur <strong>de</strong>sagrega a família<br />
e provoca o assassinato do irmão, ele, ao final, acaba sendo o único que volta<br />
e assume o lugar do Pai. Nos dois dramas anteriores, no embate “eu” x grupo,<br />
o “eu” acabava <strong>de</strong>struído, mas Assur sobrevive <strong>por</strong>que assume um lugar<br />
tradicional no grupo contra o qual se rebelara.<br />
Essa mu<strong>da</strong>nça leva a pensar num seguinte esquema <strong>de</strong> representação:<br />
o herói cardosiano seria um indivíduo que se rebela contra o grupo <strong>por</strong>que<br />
enten<strong>de</strong> que, na revolta, ganhará i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e auto-realização. Revolta-se<br />
intensamente (uma face dionisíaca do teatro <strong>de</strong>ste Autor), e, no limite <strong>de</strong> suas<br />
forças, é <strong>de</strong>rrotado e, não raro, <strong>de</strong>struído (O Escravo; A Cor<strong>da</strong> <strong>de</strong> Prata). Mas a<br />
sobrevivência estaria garanti<strong>da</strong> se, a <strong>de</strong>speito <strong>da</strong> revolta, o indivíduo se<br />
conformar em ocupar o lugar que a tradição lhe <strong>de</strong>signou como <strong>de</strong>vido e<br />
assumir a mesma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> todos que o prece<strong>de</strong>ram (O Filho Pródigo).<br />
O que po<strong>de</strong>ria significar uma posição reacionária fica, contudo,<br />
relativiza<strong>da</strong> quando se recor<strong>da</strong> que o caminho usado para insinuar essa<br />
solução é um drama apoiado numa paródia <strong>de</strong> uma história bíblica, ou seja,