Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
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<strong>da</strong> civilização cristã no Oci<strong>de</strong>nte”, como dirá Antonio Candido a respeito <strong>de</strong> um<br />
romance <strong>de</strong> Bernanos (CANDIDO, 1992: 110).<br />
166<br />
Nesse universo <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrotados, <strong>Lúcio</strong> representa um mundo que agoniza:<br />
suas personagens são seres <strong>de</strong> um mundo <strong>de</strong>stinado à dissolução. Para<br />
superá-lo, <strong>Lúcio</strong> anseia <strong>por</strong> um <strong>de</strong>sastre <strong>por</strong>que, segundo ele, a catástrofe, o<br />
medo e o sangue acor<strong>da</strong>m o homem <strong>da</strong> inércia em que vive 85 :<br />
Defendo pois as crises violentas, as mutações que nos revolvem a<br />
estrutura do ser, como se nos alimentassem tempesta<strong>de</strong>s; são elas<br />
que nunca <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> fazer ferver o sangue pálido que erra em<br />
nossas veias. (CARDOSO, 1970:133)<br />
Entretanto, a violência que vivem e provocam suas personagens se volta<br />
contra elas mesmas, no assassinato <strong>de</strong> seus entes próximos ou no suicídio. É<br />
o auto-sacrifício do impotente, que volta contra si a hostili<strong>da</strong><strong>de</strong> que o mundo lhe<br />
inflige. Incapaz <strong>de</strong> reagir às mu<strong>da</strong>nças, a agressão aparece como um rito<br />
sacrificial do velho mundo a favor do novo tempo que vai nascer. 86 Diz o Autor:<br />
E sei o sofrimento <strong>de</strong>sses indivíduos que seguem tão<br />
encarniça<strong>da</strong>mente suas paixões, que se entregam completamente ao<br />
signo <strong>de</strong>las, esperando uma re<strong>de</strong>nção imposta às avessas, uma luz<br />
que venha <strong>de</strong> qualquer espécie <strong>de</strong> abismo, mas que seja diferente<br />
<strong>de</strong>sse acanhado mundo em que vivemos. (CARDOSO, 1970:101)<br />
Como já foi apontado no segmento 2.1 <strong>de</strong>sta Tese, as personagens dos<br />
anos 30 encarnavam algum aspecto do atraso do país que <strong>de</strong>via ser superado.<br />
Como, naqueles anos, nem to<strong>da</strong>s as pessoas pareciam ter tomado consciência<br />
<strong>da</strong> crise que se atravessava, cabia ao romancista/dramaturgo insistir nessa<br />
situação crítica, alertando, pela <strong>de</strong>smedi<strong>da</strong> <strong>de</strong> suas personagens, que “as<br />
coisas em que creram e segundo as quais viveram an<strong>da</strong>m soltas, fora dos<br />
quadros, apodrecendo sem que outras as substituam” (CANDIDO, 1992:111).<br />
E <strong>Lúcio</strong> o fará, como ele mesmo já explicitara no lançamento <strong>de</strong> A Luz no<br />
Subsolo, através <strong>da</strong> “quebra dos valores comuns”.<br />
85 Não esquecer, como já foi colocado no segmento 2.1 <strong>de</strong>sta Tese, que o Catolicismo <strong>de</strong> <strong>Lúcio</strong> se tingia<br />
<strong>de</strong> cores messiânicas. Em seu Diário, várias passagens atestam sua concepção <strong>de</strong> que aqueles são anos<br />
que precisavam terminar para que se <strong>de</strong>scortinasse um novo tempo.<br />
86 Haquira Osakabe assinala que “Via <strong>de</strong> regra quase to<strong>da</strong> a ficção católica do período terá sua trama<br />
construí<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> um ato sacrificial, muito próxima do crime. E todo esforço <strong>da</strong>s obras será o <strong>de</strong><br />
especular sobre o sentido restaurador <strong>de</strong>sse sacrifício.” (FINAZZI-AGRÒ e VECCHI: 2004:80)