Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
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sentimento reiterado na obra cardosiana e reaparece, para citar apenas um<br />
exemplo, no confronto entre os irmãos Demétrio e Valdo no velório <strong>de</strong> Nina, em<br />
Crônica <strong>da</strong> casa assassina<strong>da</strong>:<br />
“Naquele momento não éramos dois irmãos, mas dois seres<br />
<strong>de</strong>sconhecidos combatendo pela posse <strong>de</strong> uma zona vital [um<br />
vestido <strong>de</strong> Nina]. Que eu o dominasse, não tinha a mínima dúvi<strong>da</strong>, e<br />
enquanto sentia sua forte respiração junto ao meu pescoço,<br />
admirava-me <strong>de</strong> que eu próprio tivesse tido coragem para ir tão<br />
longe, e que ele aceitasse a luta. Alguma coisa <strong>de</strong>via estar realmente<br />
rompi<strong>da</strong> para que os Meneses assim se digladiassem diante <strong>de</strong><br />
tantos olhares estranhos – e esforçando-me para abatê-lo, dizia<br />
comigo mesmo, nessa luci<strong>de</strong>z e nessa pressa dos momentos<br />
extremos, que não era eu quem ali representava o papel mais<br />
extraordinário, mas ele, o outro, aquele homem que<br />
inespera<strong>da</strong>mente <strong>de</strong>ixava vir à tona o eu que se esforçara <strong>por</strong><br />
escon<strong>de</strong>r durante a vi<strong>da</strong> inteira.” (CARDOSO, 1991: 319-320)<br />
Ante a ameaça <strong>de</strong> Marcos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a casa, Augusta diz que ele não<br />
terá mais coragem para partir. Admite que chegou a temer que ele o<br />
conseguisse quando escreveu a carta (segundo ato) <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedi<strong>da</strong> para Lisa. A<br />
cunha<strong>da</strong> pergunta se é ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e ele, <strong>de</strong>solado, confirma as palavras <strong>de</strong><br />
Augusta. Ante o futuro que a irmã <strong>de</strong>scortina, Marcos pergunta como po<strong>de</strong> ser<br />
tão cruel e ela lhe respon<strong>de</strong> que tem seus direitos:<br />
(...) De hoje em diante, seremos a mesma massa confusa,<br />
tumultuosa, ignara, numa luta incessante para matar ou morrer.<br />
(...)<br />
(...) Viveremos ombro a ombro, vigiando os nossos próprios<br />
movimentos, as nossas palavras e os suspiros que não pu<strong>de</strong>rmos<br />
conter no fundo do coração. Não dormiremos uma só noite <strong>de</strong> sono<br />
tranqüilo, não ousaremos levantar os olhos uns para os outros e o ar<br />
que respirarmos será envenenado pelas suspeitas cotidianas<br />
(CARDOSO, 1973:55-56)<br />
Negando-se a viver o que Augusta anuncia e incapaz <strong>de</strong> enxergar<br />
qualquer saí<strong>da</strong>, Marcos tira do bolso uma navalha que pertencera a Silas e<br />
alcança <strong>de</strong> um salto o vão formado pela esca<strong>da</strong> e que o oculta do público<br />
(CARDOSO, 1973:56), recomen<strong>da</strong> a rubrica. Na presença <strong>de</strong> Augusta e Lisa,<br />
suici<strong>da</strong>-se – quem sabe retomando, pela última vez, uma ação do irmão.<br />
Como foi possível observar, as personagens <strong>de</strong>ste drama estão presas<br />
ao passado e não sabem o que fazer <strong>de</strong> suas vi<strong>da</strong>s no presente. Suas<br />
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