Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

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Sai Vera e entra Sônia, uma sósia de Cecy. As mulheres, nesses dramas de Renato Vianna, ainda ocupam a posição secundária em relação aos homens, a quem cabe guiá-las e defendê-las sendo, portanto, responsáveis por seus desvios de conduta 23 . É o que diz Corina (irmã de dr. Calazans) a João em Sexo e o que diz padre Lionel a Vera: “(...) é o marido e o professor. A senhora é a discípula de uma época impiedosa, de um século de desespero e decadência. (...) Ele não tem o direito de condená-la (...)” (VIANNA, s/d:135) Na conversa de Sônia com o padre, descobre-se que ela sempre desejou ser freira, mas que vai se casar com Otávio para agradar ao pai, embora o padre julgue que essa é uma decisão que a fará infeliz: SONIA: Nunca o serei tendo o amor de meu pai, o amor de minha avó e o seu amor, meu grande e verdadeiro amigo! Ademais, não tenho razões para duvidar do amor de Otávio. Tenho por ele uma grande simpatia e toda a gente diz que simpatia é quase amor... (VIANNA, s/d:142) Ainda neste ato, entra Magda, amiga de infância de Vera. Descobre-se, então, que Otávio foi seu amante e de Vera e que pretende casar-se com a filha e a fortuna do professor MacDowell. No segundo quadro deste ato, Vera está delirando em conseqüência de um aborto mal feito e Sônia, escondida, descobre que o pai foi traído, mas não sabe que Otávio está envolvido. Padre Lionel, a pedido de Vera, aparece para pedir a Otávio que deixe a casa de MacDowell e desista do casamento. Se ele se recusar, o padre irá revelar ao professor todos os seus atos. Otávio pede vinte e quatro horas. Entra Roberto MacDowell, que pergunta a Lionel o que está acontecendo em sua casa, por que todos conspiram contra o casamento e o amigo lhe diz que deve evitá-lo, sugerindo que Sônia só está aceitando o fato para agradá-lo. Ele a chama e pergunta se é verdade. Magoada com o padre, 23 Informa a História da vida privada que “Vários preceitos do Código Civil de 1916 sacramentavam a inferioridade da mulher casada ao marido. Ao homem, chefe da sociedade conjugal, cabia a representação legal da família, a administração dos bens comuns do casal e dos particulares da esposa segundo o regime matrimonial adotado, o direito de fixar e mudar o local de domicílio da família. Ou seja, a nova ordem jurídica incorporava e legalizava o modelo que concebia a mulher como dependente e subordinada ao homem, e este como senhor da ação. A esposa foi, ainda, declarada relativamente inabilitada para o exercício de determinados atos civis, limitações só comparáveis às que eram impostas aos pródigos, aos menores de idade e aos índios.” (MALUF e MOTT, 1998: 375). As palavras de Corina e Lionel confirmam o apoio ideológico do que o sistema legal já estabelecia e que se desejava consenso na sociedade. 46
sentindo-se traída, ela nega e diz que está feliz em casar-se. MacDowell expulsa o amigo de casa e Sônia, chocada, volta atrás e confessa seu desagrado. O professor expulsa os dois. No terceiro ato, Vera aparece interrompendo o trabalho e desagradando o marido, mas insiste em falar com ele. Revela o adultério e o aborto, aconselha-o a chamar Sônia de volta num discurso impregnado de pieguismo: VERA: (...) Mande buscar logo a Sônia para lhe fazer companhia... para o amar com você merece e como eu não soube fazê-lo. Não se abata, meu nobre amigo... Que vale uma reles mulher na vida de um homem como você? Maculei a sua honra? Não... Um sábio é como um santo: a lama do caminho eles a transfiguram na luz da glória e do perdão... Mande logo buscar a Sônia... Esse imaculado amor é o amor dos justos como você... Mande... mande logo buscar a Sônia... (VIANNA, s/d: 209) Vera sai e, fora de cena, ouve-se o tiro de seu suicídio. Otávio entra correndo para avisar ao professor do acontecido e o Roberto agride. Diz a rubrica: Otávio, dominado mais pela incomensurável força moral daquele frágil sábio gigante não faz um gesto de defesa – e ajoelha aos pés de Roberto, asfixiado por duas mãos crispadas que parecem garras. (VIANNA, s/d: 209) Cafezeiro assinala que Freud, cujas idéias ganhavam, a cada dia, mais corpo na Europa, é referência em quase todas as peças de Renato Vianna, embora nunca discutido profundamente. Serve, contudo, para “dar o tom que indica uma das vertentes das suas especulações sobre a verdade. Esporte a que se dedicam as personagens, umas para buscar o sentido da vida, outras para ter com que passar o tempo” (CAFEZEIRO, 1996:369). Para Décio de Almeida Prado, contudo, essa presença tem seu valor na história dos temas do teatro brasileiro: De qualquer forma, a peça [Sexo], ao denunciar a tirania sexual masculina e ao insinuar que o ciúme dos maridos e dos irmãos se alimentavam (sic) às vezes de motivos menos nobres do que eles mesmos supunham, alargava o âmbito de nossa tímida literatura dramática, inserindo nela um leitmotiv que só em tempos recentes receberia sua competente orquestração. (PRADO, 2003:24-25) 47
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nada sobre o mundo à sua volta. Ex
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