Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

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Mas seria redutor vincular a personalidade conflituada de Gina apenas a
uma situação histórica socialmente datada. É forçoso reconhecer que, na
produção cardosiana, as personagens não conseguem alcançar compreensão
mútua nem concórdia no amor. Entre elas, o convívio é sempre hostil,
configurando uma relação sadomasoquista de seres isolados que se
aproximam tentando vencer, no domínio sobre a outra, a solidão em que se
vêem encerrados. Não raro, essa aproximação acaba em destruição: Ida (Mãos
vazias) se suicida, a professora Hilda (da novela homônima) acaba por levar
Sofia à morte, Pedro (Luz no subsolo) induz Madalena a matá-lo, Alberto é
vítima do amor de Ana e Nina (Crônica da casa assassinada)... 53
O desabafo provocado pelo médico abala Gina e ela chora pedindo
piedade. Dr. Victor deixa o quarto recomendando que descanse. Afirma que
compreende o que se passa e que ela precisa ajudá-lo porque, sozinho, nada
poderia fazer por ela. Nesse momento, Renato bate à porta e o médico diz que
vai esperá-lo no andar debaixo.
Nessa altura do drama, o pequeno quarto cinza, sem janelas e com uma
porta gradeada, que lembra uma prisão, ganha uma expressividade muito
clara: tanto o espaço físico representado quanto a situação conjugal abrigam
uma mulher que anseia pela liberdade absoluta estando disposta, para tal, a
sacrificar o amor que julga sentir e o casamento que fez. O cenário abriga, ao
mesmo tempo, os dois sentimentos que, dialeticamente, movem a mulher de
preto e Gina, respectivamente: o desejo de liberdade e o temor que esse
desejo provoca.
O marido aproxima-se e pergunta a Gina com foi a consulta, se lhe foi
receitado algum medicamento e o que disse ao médico. Ela esquiva-se,
irritada, e recusa-se a reproduzir a conversa.
(DESAPONTADO) Está certo, Gina. Não tenho o direito de devassar
seus segredos, mas não se esqueça também de que sou o seu
marido. Seus deveres, afinal... (CARDOSO, s/d: 60-61)
53 Essa também será uma tônica das personagens clariceanas sem que elas, contudo, cheguem
necessariamente à destruição física. Basta lembrar Joana, protagonista de Perto do coração selvagem e
sua relação com o marido Otávio (e a amante dele, Lídia). Já Laura, protagonista de “Imitação da rosa”,
de Laços de família, que foi entregue ao marido pelas mãos de um pai e de um padre e que não pôde ter
filhos, angustia-se de tal forma em seu (fracassado) universo conjugal que, incapaz de encontrar outra
saída, se refugia na loucura – mesmo final de Gina.