13.05.2013 Views

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

em cena provocando a saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> mulher, que leva a cor<strong>da</strong>. Gina pergunta à<br />

cria<strong>da</strong> se ela viu alguém. Ela nega e, como a patroa não precisasse <strong>de</strong> na<strong>da</strong>,<br />

prepara-se para sair mas Gina, amedronta<strong>da</strong>, pe<strong>de</strong>-lhe que fique.<br />

102<br />

A conversa que se segue gira em torno <strong>da</strong> infância <strong>de</strong> Gina e, <strong>por</strong> não<br />

ter relação direta com o conflito <strong>da</strong> peça, talvez seja um dos momentos que a<br />

Crítica apontou como fracos. O final <strong>da</strong> cena marca-se <strong>por</strong> mais um<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio <strong>de</strong> Gina, que acusa Júlia <strong>de</strong> “estar do lado <strong>de</strong>les” (CARDOSO,<br />

s/d:39), <strong>de</strong> querer matá-la e <strong>de</strong> mentir quanto a não ter visto a mulher <strong>de</strong> preto<br />

e a cor<strong>da</strong>. A cria<strong>da</strong>, assusta<strong>da</strong>, corre a chamar o marido <strong>de</strong>ixando Gina<br />

sozinha, que reflete:<br />

(EM VOZ LENTA E SOMBRIA) Que tenho eu, meu Deus, que tenho<br />

eu? Tudo isto é um sonho doentio e sem razão <strong>de</strong> ser. Afinal, que<br />

<strong>de</strong>sejo, que procuro com tanta ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>? Não há na<strong>da</strong> neste<br />

mundo que possa me interessar ou fazer meu coração bater mais<br />

fortemente.<br />

(PAUSA. GINA SENTA-SE NO DIVÃ, O ROSTO APOIADO NAS<br />

MÃOS) Certamente eu o sei, às vezes, quando escuto, como agora,<br />

essa outra “voz” que existe <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim. Pois ela sou eu mesma,<br />

tenho certeza disto. Somos uma só e mesma criatura, dissocia<strong>da</strong>s, é<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>por</strong>que houve uma ruptura em minha vi<strong>da</strong>. Mas até quando<br />

po<strong>de</strong>rei subsistir assim, sem que um <strong>de</strong>sastre sobrevenha? (...)<br />

(CARDOSO, s/d:41) 49<br />

Renato, acudindo ao chamado <strong>de</strong> Júlia, conversa com Gina, fala em<br />

mu<strong>da</strong>r <strong>de</strong> quarto, em viajar, mas a mulher a tudo recusa, agressiva. Vendo<br />

inúteis seus esforços, emocionalmente <strong>de</strong>sgastado, ele <strong>de</strong>sabafa:<br />

... Sinto-me tão cansado disto, que até seria capaz <strong>de</strong> abandoná-la<br />

realmente, ir sozinho para essa estação <strong>de</strong> águas, nem sei...<br />

(CARDOSO, s/d:43)<br />

Ante as súplicas <strong>de</strong> sua mulher para que não a <strong>de</strong>ixe, Renato queixa-se<br />

<strong>de</strong> seu com<strong>por</strong>tamento e cobra-lhe explicações sobre a cor<strong>da</strong> <strong>de</strong> que lhe falou<br />

Júlia. A discussão prossegue, culminando em ameaça <strong>de</strong> separação. Gina,<br />

então, concor<strong>da</strong> em ver um médico se o marido prometer não a abandonar:<br />

49 O sentimento <strong>de</strong> estar dissociado ecoa, dois anos <strong>de</strong>pois, no Diário íntimo <strong>de</strong> seu criador. Uma <strong>da</strong>s<br />

anotações <strong>da</strong>ta <strong>de</strong> 15/09/1949: “Como juntar os dois eus diferentes que me formam?” (CARDOSO,<br />

1970:36) e mostra que era uma preocupação do Autor.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!