Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
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qualquer efeito: como lembra Júlia, em outra ocasião quando o médico<br />
aparecera para jantar, Gina não viera recebê-lo.<br />
É possível observar que, a exemplo <strong>da</strong> estrutura <strong>de</strong> O Escravo, muito<br />
pouco realmente “acontece” em cena. Não há praticamente nenhuma ação,<br />
salvo a feitura <strong>de</strong> um curativo, e tudo se concentra em rememorar as ações <strong>de</strong><br />
Gina, que vão <strong>de</strong>finindo-lhe o caráter. Há trechos que soam bastante artificiais,<br />
como:<br />
RENATO: (...) Sabe o ela me respon<strong>de</strong>u?<br />
JÚLIA: Eu não estava na sala naquele momento...<br />
RENATO: Pois respon<strong>de</strong>u-me que não se im<strong>por</strong>tava, que não tinha<br />
na<strong>da</strong> com o Dr. Vitor.<br />
JÚLIA: Meu Deus! E o patrão?<br />
RENATO: Não sei o que fiz, <strong>de</strong>i um murro na mesa.<br />
JÚLIA: Só isto? (CARDOSO, s/d:7)<br />
O diálogo entre Júlia e Renato ain<strong>da</strong> se esten<strong>de</strong>rá revelando que, no dia<br />
do referido jantar, Gina teria dito que não gostava do dr. Victor, que não<br />
gostava “De ninguém, especialmente <strong>de</strong> médicos” (CARDOSO, s/d:8) e que<br />
fora exatamente nessa noite que adoecera:<br />
RENATO: Lembro-me perfeitamente. Foi como um castigo... Ela me<br />
pediu um copo dágua (sic) e quando subi para levá-lo... encontrei-a<br />
estendi<strong>da</strong> no chão. (CARDOSO, s/d:8)<br />
Então, contrariando o protesto anteriormente feito <strong>por</strong> ela mesma, é a<br />
vez <strong>de</strong> Júlia perguntar se esses ataques não seriam simulações: “Já no tempo<br />
<strong>de</strong> mocinha...” (CARDOSO, s/d:8)<br />
RENATO: (OLHANDO A MÃO E ERGUENDO-SE NUM ÍMPETO)<br />
Mas que espécie <strong>de</strong> mulher você pensa que é Gina? Ela é capaz <strong>de</strong><br />
tudo. Olhe, uma outra vez estava senta<strong>da</strong> no toucador, penteando os<br />
cabelos, quando se <strong>de</strong>teve <strong>de</strong> repente e me perguntou: “Ouviu<br />
alguma coisa?” Eu respondi que não tinha escutado na<strong>da</strong>. Então ela<br />
me olhou bem nos olhos e disse: “Pois alguém está subindo a<br />
esca<strong>da</strong>”. Corri a ver: não havia ninguém. Quando voltei ao quarto,<br />
encontrei-a <strong>de</strong>smaia<strong>da</strong>. (CARDOSO, s/d:8)<br />
Júlia insiste na idéia <strong>de</strong> que esses ataques seriam ciúmes, mas lembra<br />
que “na sua terra” todos diziam que Gina “não regulava bem” (CARDOSO,<br />
s/d:9) e que a própria mãe <strong>de</strong> Renato dissera isso ao filho uma vez. Entretanto,<br />
afirma:<br />
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